Sunday 14 April 2013

Paulo Tyba III


Paulo used to live on the 1st floor of this building on Rua Theodoro Sampaio, 2152, in Pinheiros. It was a dancing studio his aunt had; they lived in the back. 

Olá Luigi  - 14 July 2009.

Capas de discos franceses sempre foram muito bem elaborados; na casa de minha tia havia discos de Françoise Hardy e Silvie Vartan e eram lindissimos. O "musak" francês parece não ter contagiado o bom gosto gráfico dos singles.

Ontem re-assisti, pela enésima vez, a primeira vez em DVD, meu filme preferido de infância. ‘Ivanhoe’, com Robert Taylor. Quando criança, em torno dos meus 8 anos, assisti este filme a primeira vez.

A saga de sir Wilfred Ivanhoe, cavaleiro preferido de King Richard, "Heart of Lion". E que na volta das cruzadas, presenciou a antiga Inglaterra ser jubjugado pelo rei substituto John (irmão de Richard), cruel e tirânico, comandava as ações contra os saxões, já que John era normando.

As interpretações dos atores, a música triunfal de Miklos Rozka são ingredientes imperdíveis deste filme que marcou muito minha infância. Quando a gente é criança não compreende direito o que foram as Cruzadas, a carnificina que redundava. Enfim, abominável.

No entanto, quando criança a gente vê somente a historia contada, tipo contos da carochinha e não se atem a detalhes que só vão surgindo com o passar dos tempos. Por isso , era apaixonado por esta história de sir Walter Scott.

Além disso como dizem os franceses o "phisic du role" dos atores é perfeito. Robert Taylor tem o talhe de um nobre saxão. Elizabeth Taylor como a adolescente judia Rebecca, então, sem comentários, é a doçura e a ingenuidade em pessoa naquele papel.

Interessante como o phisic de role, faz ou não a cabeça das pessoas. Por exemplo na TV, decada de 60, passava ‘Ivanhoe’ com Roger Moore, mas Roger Moore não era adequado para o papel, faz o tipo mais americano, muito pasteurizado. Por isso o phisic de role, é para mim, o aspecto mais importante na interpretação de uma personagem.

Pode ter havido muitos James Bond na historia cinematográfica, mas o único, the best sempre será Sean Connery, com seu jeito cínico e arrebatador de quem faz luta contra a espionagem da guerra fria com desenvoltura de quem vai a um estádio de futebol. Parece que a indústria cinematográfica atual não faz mais muita questão da identificação do ator com a personagem e criam verdadeiros blockbusters de vendas, mas sem aquela aura dos filmes de antigamente.

Chega de divagar...

Luigi, por aqui tudo bem: estou no compasso de espera (normalização do sistema cardio respiratório), para a realização da primeira angioplastia. Sim foi tudo bem no niver, a gente quando vai ficando velho não comemora mais o aniversário como antigamente, por isso vai levando. Vou ficar por aqui. Um grande abraço saudoso, Paulo.
dearest Paulo,   16 July 2009.

legal saber que está tudo bem aí contigo. Então estás no compasso de espera... ainda bem que a Esperança sempre está lá around the bend...

Quando rapazola (antes de te conhecer) eu fiquei fã de cinema norte-americano dos anos 30 e 40, depois que assisti ‘Wuthering Heights’ (Morro dos ventos uivantes - 1939) com Merle Oberon & Lawrence Olivier.  Daí eu ia assistir todo e qq. filme antigo b&p que reprisassem no Centro ... e um dos que eu mais gostei foi ‘Waterloo Bridge’ (1940) com Vivien Leigh e... Robert Taylor.  E, lógicamente, eu me encantei com ele. Em 1940 ele estava no ‘auge’ de beleza. Embora quem ‘levasse’ o filme fosse Miss Leigh no papel de uma bailarina [e sua amiga] de uma troupé de uma velha bailarina russa (Maria Oupuskaya) que apenas sobrevivem na Londres do tempo dos bombardeios de Hitler. Eles se conhecem num abrigo anti-aéreo.  O filme é intensamente romântico e trágico.
Roger Moore in1958's 'Ivanhoe'.
Não assisti ‘Ivanhoe’ no cinema, mas assistia a serie inglesa que passava na TV (televizinho, na casa do Adácio) e gostava bastante. Devo ter assistido vários capítulos pois nunca me esqueci. Assistíamos também ao ‘Guilherme Tell’ – provavelmente Wilhelm Tell ou William Tell, já que o seriado era inglês também.  Nos domingo a noite passava uma série chamada ‘Interpol’, que suponho seja inglesa, pois era da Rank. Me lembro que o ator principal tinha uma ‘covinha’ no queixo mais profunda que a do Kirk Douglas.

Charles Korvin in 1958's 'Interpol calling' 

Voltando à ‘Ivanhoe’... depois que aprendi inglês suficiente para ler livros... esse romance de sir Walter Scott foi meu segundo livro completo que li na língua de Shakespeare. O primeiro foi ‘Rebecca’ de Daphne du Maurier.
Conrad Phillips in 1958's 'The Adventures of William Tell'.

Apesar da linguagem de Walter Scott ser bem intricada, eu terminei o livro numa boa... lógico que o dicionário ficou com orelhas de tanto ser usado, mas eu li todinho e gostei bastante. Depois li a historia da Inglaterra, já que não entendi direito aquela bagunça de etnias. Não havia heróis saxões. Os saxões eram a ‘plebe’, que não sabia ler nem escrever. Na verdade, a familia real Plantagenet nem falava inglês, mas o francês.

Não sei exatamente quando a família real começou a falar inglês. No reinado da filha do Henry VIII, Elizabeth I, aparece Shakespeare, traduzem a Bíblia para o vernáculo e o inglês, tal qual nós o conhecemos aparece. Grandissíssimo abraço cheio de saudades, Lu.

Joan Fontaine & Judith Anderson in 'Rebecca'
Luigi,  18 July 2009.

Você abordou um assunto, que para tentar te explicar, vou levar bastante tempo. Não sei se você terá paciência para ler (escutar). 

Mas todo caso, vamos lá: Sem que nunca ninguém tenha me explicado, sempre acreditei na inteligência a priori. Aquela que está no íntimo. E não possui explicações naquele momento, mas o cérebro sem interferências de nenhuma espécie sobejamente emite: Do it. E pronto.

Vou te dar um exemplo de inteligência a priori, que inclusive você estava do meu lado (não sei se vai recordar). Certa vez apareci na rua Vicente Prado, muito mal, com febre, mal estar, vomito (nada parava no meu estomago) e medicamentos de caráter gripais havia ingerido vários, mas eu estava mal para caramba. Sem exagero, cheguei a pensar em óbito iminente, pois estava tipo uma semana naquele torpor e não havia nada que pudesse reverter este quadro.

Você estava escutando algumas músicas, e creio que no afã de tentar me animar, colocou Beatles, para ver se eu reagia. Eu estava literalmente morto. Nada me animava e o mal-estar me dominava.

Quando de-repente, você, creio que apiedado do meu estado lamentável, me perguntou:
- O que vc. quer que eu faça? Faço qualquer coisa. Compro comida. Quer comer comida japonesa? O que você quer? E ainda brincou, ‘Aproveita que estou "bonzinho".

Sem pestanejar, como se fosse uma incorporação etérea eu disse: ‘Verduras e hortaliças.’ Luiz, você me faria uma salada completa, mas só com verduras e hortaliças?

Você, surpreendido com o pedido, me perguntou detalhes. E eu acrescentei: ‘Alface, agrião, pepinos, tomates, todos os tipos, mas com muito vinagre.’

Você ficou surpreso, mas foi até o Pão de Açúcar e me deixou escutando musicas. Quando voltou, fez uma salada gigantesca num recipiente de plástico, sob o olhar atônito de dona Yolanda e das meninas. E eu coloquei uma quantidade gigantesca de vinagre, sal e óleo. Devorei aquela bacia de salada como se fosse minha ultima refeição. Eu notei, em dado momento que Sandra e Rute queriam rir, mas eu não parei enquanto não devorasse a ultima lasca de verdura. Quando acabei de comer, algum instante depois, parecia que não estava sentindo nada. O "velho" Paulo Tyba estava lá. E eu notei que você estava achando que eu estava fingindo toda aquela cena para fazer você comprar saladas, preparar, enfim preocupar-se, para apenas uma "cena" digna de teatro. Pelo menos foi a impressão que tive naquele exato instante. Pois era verdade, estava passando muito mal, e a mega ingestão de salada, bem azeda, trouxe miraculosamente, minha saúde de volta.

Se você me perguntar, 40 anos depois deste episodio:  Como eu sabia disto? Vou te responder. Não sabia. Foi algo instintivo. Aquilo que meu corpo pedia, e eu obedeci sem os questionamentos, as objeções mentais que normalmente fazemos.

Durante toda minha vida, houve momentos em que esta inteligência, que Imanuel Kant chama de ‘a priori’, me norteou completamente minha vida. Desde criança, muitas vezes obedecia a voz interna que dizia: faça isto ou faça aquilo. Independente do que for, por mais absurdo que possa parecer.

Depois de algum tempo, compreendi porque os animais carnívoros, quando estão mal, vão comer mato por aí. Quantas vezes, não me defrontei com esta curiosa cena, cachorro no meio de um mato mascando determinada planta que podia até ser uma grama. Isto explica por que a minha ingestão de verduras e consequente melhora.

Embora minha existência foi marcada por acontecimentos terríveis, sobremaneira a infância, sob a tutela de uma tia déspota, e parentes estranhíssimos, houve um fato que não posso jamais negar. Titia possuía um acervo de livros e discos que fariam inveja a grandes colecionadores. E foi no meio desta biblioteca e discoteca que cresci.

Minha vida inteira, tenho certas sensações que quando deixo fluir naturalmente, trazem resultados surpreendentes. Não vou me ater a estes detalhes, pois dariam , exemplos intermináveis. Mas , preciso te falar , de que , em 1958, eu vivia "fuçando" a discoteca e a biblioteca de minha tia. No quesito livros, haviam tantos volumes que , não saberia sequer por onde começar. Na sua maioria , eram livros escritos em inglês e francês, e eu não conseguia compreender toda aquela erudição. Certa manhã, guiado pela inteligência a priori, peguei um livro com poesias de Byron, com tradução livre de alguns jornalistas eminentes como Carlos Lacerda, e do poeta brasileiro Paulo Bonfim, e o poema ‘Trevas’ me deixou arrepiado.

Pois nos anos que se seguiram, esta poesia é a síntese de todo psicodelismo e surreal que os anos 60 iriam proporcionar, e eu estava verdadeiramente, em 1958, totalmente up-to-date.  Não sei como, nem me peça explicações, mas estava sintonizado perfeitamente com o que a
humanidade iria se preocupar.

A partir dai comecei a curtir Byron, como se ele fosse a voz da verdade. Lia poesias traduzidas e na minha mente infantil, mosaicos e desenhos começavam a formatar-se.

Te envio em anexo, esta poesia para você poder mensurar o texto, a formatação deste que considero gênio. ‘Trevas’.

Vou deixar para uma segunda parte a continuação desta historia. Apenas acrescentando de que em 1962, conheci Byron pessoalmente. É a tal da sincronicidade agindo...

É que, depois que me formei (primário) no Brasílio Machado, fui fazer Admissão e depois o Ginásio no Colégio Machado de Assis (na rua Simão Alvares), e lá conheci Byron Valencio Antoniadis, que se tornaria meu melhor amigo. Mas esta é uma historia que te conto nos capítulos seguintes:

Um giga abraço, Paulo.

Luigi,  30 July 2009.


Tenho que te parabenizar fortuitamente. Ler Byron em inglês, no original, é sinônimo do domínio completo do idioma. Você realmente aprendeu. Desenvolvimento. Quanto a mim, meu domínio do inglês é razoável, mas nada comparável ao teu conhecimento. Consigo ler alguns textos, no entanto o dicionário se faz necessário, pois não me sinto seguro e não pratiquei durante a minha existência.

Você fez do aprendizado deste idioma um grande up-grade em tua vida, afinal dominar por completo uma língua que não é o pátrio é algo notável. Parabéns.

Após este interlúdio, retomo a historia de Byron, que considero um dos fatos sincronizados de minha vida, sem explicações aparentes. Gostava da poesia de Lord Byron e embora não compreendesse toda extensão de suas palavras (era muito criança quando tive minha iniciação Byroniana), marcara minha vida de forma inquestionável.

Afinal qual o garoto de 9 anos que gostava da literatura de Byron? Nesta época ainda não conseguia mensurar a extensão desta “pequena proeza” intelectual infantil.

Quando em 1962, fui estudar no Machado de Assis (colégio dos ‘metidinhos’ da época, pelo menos em Pinheiros), conheci o Byron. Quase enlouqueci, pois afinal é um nome que quase não existe. Existem Paulos, Joões, Luizes, Marios, mas Byron, era como se a lenda tivesse tomado forma. E a nossa amizade também prosperou de forma intensa.

Byron Valencio Antoniadis era nascido no Rio de Janeiro em 13 de Maio de 1950. Irmão gêmeo de George Dimitrios Antoniadis; George era mais velho que Byron apenas 10 minutos, eram gêmeos univitelinos. Filhos de Elefterius Jean Antoniadis (chamado de Lefti pelos íntimos) e de Beatriz Cunha Antoniadis.

Lefti era um dos engenheiros principais da construtora Adolpho Linderbergh, sendo um dos principais artífices da construção de Brasília, recém inaugurada como capital do Brasil. Moravam de forma provisória no Edifício Berenice, na Fradique Coutinho (após os cines Jardim e Fiametta havia o mercado, e contiguo ao mercado havia o Edifício Berenice). Compraram este apartamento em caráter de urgência, já que estavam em Brasília e Lefti havia assumido o cargo de engenheiro-chefe da Lindenbergh em Sampa, e o apartamento da Lindenbergh que haviam adquirido no Jardim Paulista, à rua Caconde, só iria ficar pronto em meados de 1964.

Embora eles fossem da nata da sociedade, eram de uma simplicidade exemplar. Naquela época, vivia quase que o dia inteiro com os irmãos (tinham mais um irmão, o caçula Phillip Antoniadis, de apenas 4 anos) só voltando para casa para dormir, e algumas vezes, dormia por lá mesmo. Nos tornamos aquilo que se chama popularmente de ”unha-e-carne”. Os gêmeos eram famosos em Pinheiros e, principalmente no Machado de Assis, todos conheciam os gêmeos. George era mais “duro” e critico com o mundo, já Byron era mais suave, mais afetuoso.

Idênticos fisicamente, só depois de algum tempo conseguia identificar qual era um, qual era o outro. Logicamente após algum tempo, a identificação tornara-se fácil. Sabia perfeitamente qual era um, qual era o outro, e me divertia com as pessoas que não conseguiam identificar o que era compartilhado plenamente pela dupla.

Havia o “seu" Antonio, porteiro do prédio Berenice que era nossa vitima preferida, das confusões que gêmeos podem acarretar pela confusão da semelhança, e a gente (era sempre o cúmplice) divertia-se com toda balburdia que isto ocasionava nas pessoas.

Foi com a família Antoniadis que aprendi a gostar daquilo que hoje, “na moda”, costuma-se chamar de cozinha Mediterrânea. Muito azeite de oliva, cebolas, pepinos, berinjelas. Era farta e variada a cozinha grega. Lefti era grego de Atenas e estava há 20 anos no Brasil, formado pela escola Ateniense de Engenharia, logo galgou postos na Lindenbergh.

Praticamente a família havia me adotado como o sexto elemento. Houve uma época que Lefti queria conversar com minha tia, para que eles me adotassem. Minha infância havia sido uma verdadeira “tragédia grega”, com pai morto aos 6 anos, com mãe tetraplégica devido a um derrame aos 10, e nunca verdadeiramente aceito pela família de minha tia. Lefti e Beatriz pensaram seriamente em me adotar. O que na verdade trouxe um vazio ainda maior na relação entre eu e minha família. Imagine uma família nipônica (cheia de orgulho) sendo “afrontado”por “uns gregos”, querendo adotar uma criança ”rebelde”.

Foi o estopim para uma animosidade declarada, a guerra fria que havia entre nós havia sido potencializado pela minha vontade de querer deixar aquela família e viver com outra.

Foi a partir de certos “impedimentos” de titia que comecei a me tornar um “bad boy” de verdade.  Hoje consigo me entender e das maldades que cometia com todos.

No entanto não era feliz, e queria viver com uma família de verdade. Se você não não se incomodar, gostaria de deixar a ultima parte para a próxima carta; esta tornou-se longa e o desfecho de toda esta historia ainda é longa. Não sei se vc. vai ter saco para acompanhar todo o enredo.

Vou ficando por aqui; Um grande abraço forte,  Paulo.

Dearest Paulo,  2 August 2009.


Ah, por falar em inglês, obrigado pelas suas palavras, mas eu acabo não vendo meu domínio da língua inglesa [94% diria eu] como uma ‘vitória’, pois a ‘necessidade é a mãe da invenção’. Ou seja, eu ‘tive’ que aprender inglês [a toque de caixa] pois eu vivi em país nos quais essa língua era ‘moeda corrente’. Ou eu a aprendia inteira ou afundava num mar de ignomínias. Não queria ficar igual a maioria dos brasileiros [e outros estrangeiros em geral] que vivem em ghettos e são objeto de chacota disfarçada [afinal os Anglos são mais bem educados que os Latinos] por não saberem o vernáculo. Essa foi a força-motriz para eu aprendesse inglês inteiro, e não ficar só pela metade ou dois-terços. Era uma questão de orgulho próprio. Abraços múltiplos, seu amigo de sempre, Luigi.

Luigi :   7 August 2009.

Quando afirmei a respeito do teu orgulho, jamais foi ou será no aspecto negativo. Admiro sinceramente este ”orgulho” que algumas pessoas mantem em seu intimo e nos momentos decisivos fazem aflorar como uma grande energia que sustenta toda a existência numa forma de transcender algum problema surgido. Normalmente as pessoas perseguidas pela maioria possuem esta energia, esta força. Negros, homossexuais, mulheres que foram submissas a vida inteira possuem este ”orgulho”, foi neste sentido que manifestei a seu respeito...

Gostaria de concluir o ultimo “episodio” da minha saga com a família Antoniadis e tenho certeza, vai surpreende-lo; é mais cheio de reviravoltas que a nossa vã imaginação é capaz de prever. Mas vamos lá:

Após o pedido de adoção por parte de Lefti a minha tia, a minha vida tornara-se insuportável, pois de todas as maneiras, tentavam me afastar daquela família, e mais e mais eu os buscava. Afinal no recôndito daquele lar é que me sentia seguro, como nunca havia sentido; realmente me tratavam como a um filho, com disciplina, regras e constante observação. Pela primeira vez na minha vida haviam pessoas interessadas no meu desempenho, na minha formação como pessoa, e constante cobrança de que, o que é certo ou o que é errado. Havia longas conversas que não saturavam porque a gente conseguia sentir de que havia o interesse sincero de um progresso em nossas vidas, crescer como gente, era a palavra de ordem na casa dos Antoniadis.

Imagine eu, órfão de pai aos 6 anos e com a mãe tetraplégica aos 10, vivendo numa família que não possuía nenhum interesse em minha pessoa a não ser de que eu crescesse e rapidamente fosse cuidar da minha vida, de preferência cuidando de minha mãe também. De repente surge uma família me querendo bem, me ofertando sobretudo carinho, importando-se comigo. Foi como acender um rastilho de pólvora. Com a negativa de titia em querer me ceder, e com a implantação de um regime rígido, me revoltei e creio me tornei um adolescente insuportável. Só aprontava e via com muito prazer o que o imprevisível dos meus aprontes ocasionava nos meus familiares.

Foi assim que me enviaram para um período de “exílio” para a rua Santa Luzia, assim acreditavam que novos ares e, de preferencia longe dos Antoniadis, eu recuperaria o mínimo para tentarmos pelo menos viver.

Me transferiram do Machado de Assis para o Colégio Estadual Carlos Maximiliano Pereira dos Santos. Enfim, tentaram dar um novo desenho em minha vida. Me matricularam em escola de ensino do idioma japonês, além de aulas de piano clássico, como uma espécie de terapia ocupacional para tentar dar um “novo” rumo em minha vida.

Só que ocorreu algo em minha relação com os Antoniadis de caráter realmente inesperado. Nestas idas e vindas, ficamos algo como um mês, mês-e-meio sem nos ver, e quando nos reencontramos, Byron e George estavam repletos de ideias, que não batiam mais com o que tínhamos vividos.  Estávamos com 13 anos e de repente eles surgiram com um novo pensamento.

A principio, quiseram me convencer de que aquilo era bom e magnífico. A futura grande empreitada de nossas existências.

Através de alguns diretores da construtora Lindenbergh, que era uma potencia em Sampa na década de 60, conheceram a TFP do Plínio Correa de Oliveira, e um dos vice-presidentes desta instituição era engenheiro-chefe da Lindenbergh. Os meninos ficaram entusiasmados com a ideia, aderiram e queriam a minha adesão a este movimento.

Cheguei a freqüentar algumas reuniões, e partes das sedes desta organização no bairro de Sta. Cecilia, não sei se você sabe, mas muito dos casarões daquelas bandas de Higienópolis, tipo rua Alagoas e adjacências pertencem todos os quarteirões a TFP. Por fora domicílios, por dentro sede das organizações, algumas servindo de locais de ensino das doutrinas, outras de alojamento, outras de refeitório (algumas luxuosíssimas). Com a conversa de que servindo a TFP seriamos como cavaleiros medievais a la Ivanhoe servindo as Cruzadas deveríamos servir a causa da TFP.

Depois de idas em algumas reuniões, me convenci de que aquele não é e não seria meu mundo e estávamos separados por uma barreira intransponível, a da inflexibilidade religiosa.
Quando voltei ao lar dos Antoniadis, notei de que embora Dona Beatriz e o “seu”Lefti mantivessem a cordialidade, havia algo no ar diferente.

Dona Beatriz logo manifestou a opinião do casal a respeito desta nova situação, onde os meninos, p’ra começar, andavam naqueles terninhos da TFP e com o cabelo cortado, enfim fazendo todo estereotipo desta organização. Ela manifestou de que embora ela e Lefti fossem católicos, mantinham-se de certa maneira distantes da nova forma de pensamento dos gêmeos. E que enquanto não houvesse sinais de anomalia, eles apoiariam o novo modus vivendi dos irmãos.

Aos poucos fomos nos afastando, pois imagine você, como viver com pessoas fanáticas de um pensamento que, para mim, eram até assustadores. Seguiam preceitos de um catolicismo antigo inalterado e sem direitos a concessões de qualquer espécie. Só para te dar um exemplo, a gente tinha um amigo, o Sebastião, do Machado de Assis, cujos os pais eram separados. Nunca isto tinha sido algo de destacável, no entanto, após o ingresso dos dois na seita do Plínio, resolveram boicotar esta amizade sob a alegação de que os pais com a separação praticavam algo demoníaco e abominável. Só com este dialogo comecei a me separar do convívio de ambos.

O que meus familiares tentaram, o destino havia incumbido de cumprir: nós estávamos separados. Depois disto, fui umas duas vezes a procura dos gêmeos. Uma em 1965 e a outra em 1968, não os encontrei. Fui muito bem recebido pela dona Beatriz e o seu Lefti, que me informaram como andavam os gêmeos e a luta na TFP. Embora fossem calorosos, não era mais a mesma coisa. E acabei me afastando de vez.

Havíamos (1962) até feito um juramento de sangue (cortamos os dedos e unimos) para declararmos que éramos irmãos, vivemos um período da adolescência de forma pura e cristalina. No entanto o destino acabou nos separando.

Em Julho de 1972 fui procurado pelo Marcio, um amigo da Simão Álvares, que conseguiu me achar (sabe lá Deus como), com o recado para que entrasse em contato urgente com os Antoniadis. Telefonei para eles e Lefti atendeu o telefonema e implorou para que fosse até o apartamento deles naquele instante, era gravíssimo.

Atendendo o chamado, fui. E recebi a terrível noticia. Fazia duas semanas que ocorrera um acidente no trem que estava vindo de Mogi das Cruzes e os passageiros de vários vagões foram trucidados.

Meu amigo Byron estava voltando da faculdade de engenharia de Mogi das Cruzes e teve a cabeça decepada no acidente. Obviamente a família estava em choque e irreparável. Dona Beatriz encontrava-se em estado quase que em transe, irreconhecível. Implorou-me que ficasse alguns dias em companhia. Todos estavam prostrados e deprimidos em ultimo grau.

Seu Lefti sempre foi o sujeito pragmático, sempre com soluções praticas, mas diante do ocorrido aquele grego estava um caco de pessoa. George, por sua vez, tentava agarrar-se no ultimo recôndito de sua fé, mas a gente notava que sobrava um vão em sua crença. Não conseguia vencer o ocorrido baseado em todas suas crenças. Estava derrotado também. Por mais que demonstrasse o contrario. Phillip, o caçula, trancou-se no quarto e escutava música o dia inteiro. Quando me viu, mostrou para mim a coletânea dos Beatles, principalmente a carreira solo deles, que conseguiu amealhar. Possuía todos os discos solos e tentou mostrar uma alegria que não existia. Enfim a família Antoniadis fora pulverizada. Por mais que tentassem continuar, havia um nó na garganta, uma pergunta não respondida, que só vim a compreender anos mais tarde com a morte de meu filho Brian.

Fiquei alguns dias hospedado com os Antoniadis e dona Beatriz sempre me abraçava e dizia que minha figura fazia recordar o antigamente, quando eles eram felizes e não sabiam.
Confesso que me sentia totalmente sem saber o que fazer. Fomos amigos na década de 60, de uma forma quase utópica, irmãos. No entanto o destino acabara por nos separar. Agora na década de 70 nos encontramos novamente e eles precisavam de uma ajuda que eu não conseguiria preencher, principalmente tratando-se da ausência de um filho. Me senti muito mal nestes dias. Felizmente após 4 dias decidiram que Beatriz iria ficar um tempo no Rio de Janeiro junto aos seus parentes (eles eram do Rio).

Depois disso, parece que uma maldição se abatera sobre aquela família. Em 1975, eu estava em Belém do Pará, e sempre mantinha contato com os Antoniadis, quando chegou a terrível noticia. Lefti fora vitima de um infarto fulminante e nos deixou de-repente. Quando os visitei em 1976, estavam irreconhecíveis. Todos pareciam viver de forma artificial. Com uma mácula intransponível em seus corações. All the lonely people...

Em 1992 mais desgraças, Philip acometido por uma aneurisma cerebral, sentiu-se mal num dia e n’outro veio a falecer, com 34 anos de idade. Ainda pude visitá-lo na Beneficência Portuguesa, onde estava internado. Um dia após minha visita, morreu.

Após este período, os sobreviventes, Beatriz se tornara uma pessoa inatingível; vivia entre suas operas preferidas e parecia que vivia dia e noite em transe, nada ou ninguém conseguia atingi-la. George por sua vez agarrou-se nas convicções religiosas que sustentavam a TFP (torna-se um dos principais dirigentes). Na verdade tornara-se uma pessoas insuportável, pois vivia alimentado por dogmas inqualificáveis. A partir daí nunca mais nos falávamos. Imagine você como seria o convívio com pessoas que o destino massacrara e ainda sobreviveram com o resquício de força que lhes restara.

Enfim uma verdadeira tragédia grega. A mim a única, homenagem possível foi colocar em meu filho primogênito o nome de Byron, mas parece que os deuses não aplacaram a ira e mantiveram todo o rancor contra as personagens desta incrível historia e meu filho parece que padece de uma maldição” inexplicável!!!!

Enfim Luigi, veja que historia de quase 50 anos com muita tragédia e muita tristeza e algo insofismável sem explicações lógicas. Por aqui encerro este depoimento e a explicação do nome Byron no cerne da minha família. Espero não ter-lhe cansado. Muitos abraços efusivos,  Paulo.

Carissimo Paulo,  9 Aug 2009.

Uffa!  Terminei de ler seu relato. É surpreendente, pois tenho certeza que tudo aconteceu realmente da forma que v. narrou. E como sei que sua vida sempre foi cinematográfica, eu acredito. É uma história digna de ser escrita como romance. O duro será escolher um ‘herói’ aí. Acho que, no fundo, o ‘herói’ seria você.

No mundo das celebridades há vários exemplos de tragédias. Gloria Vanderbilt, uma das mulheres mais ricas do mundo teve dois filhos. O mais velho, um lindão, com 23 ou 24 anos, depois de terminada Harvard, chegou em casa, dirigiu-se até o parapeito da cobertura no Central Park e se atirou de lá. O irmão mais novo é o Anderson Cooper, reporter da CNN, não sei se v. conhece... um cara muito legal.

Romy Schneider suicidou-se pois não agüentou a memória da imagem do filho de 10 anos cair e ser empalado nas grades de onde eles moravam.

Eric Clapton fez uma música (Tears in heaven) em homenagem a seu filhinho que caiu do 20º andar do apto. onde moravam. Só de escutar essa música já dá vontade de chorar. Would you know my name if I saw you in heaven? Would it be the same if I saw you in heaven?
Anderson & Carter Cooper (looking at the camera) & their mother Gloria Vanderbilt.
Romy Schneider & son David.
Luigi : 12 August 2009.

Epilogo: A minha historia com os Antoniadis (se é que terminou) carece de uma explicação final, para talvez poder aquilatar todo o ocorrido: 01-Muito bem observado por você, com relação a faculdade de Mogi das Cruzes ao invés de uma faculdade-de-ponta em Sampa (USP, PUC). A explicação aprofunda mais ainda os desígnios do destino e a gente só pode conjecturar. O que ocorreu em termos práticos é de que Byron formou se no antigo Cientifico em 1968, ficando parado, em termos escolares, por 4 anos. Ocorreu que no ano anterior (1971), conheceu uma moça, Marina, de quem estava praticamente noivo, só faltava trocar alianças. E segundo relato de dona Beatriz, o namoro com a moça trouxe consequências e resoluções que estavam sendo praticadas por Byron. Voltar a estudar, foi uma delas, e a primeira faculdade que conseguiu foi esta. Os vestibulares tanto na Escola Politécnica (USP), como na PUC eram difíceis; como tinha urgência em se formar, pois logo queria formar uma família, topou qualquer coisa. Outro ocorrido em virtude do namoro foi o afastamento da TFP, estava dissidente do movimento.

Resultado desta decisão é de que Byron estava a minha procura, meio que, como se diz na gíria, “na trombada”, ou seja, se encontrasse comigo iria tentar reatar a amizade, que segundo ele, dito à dona Beatriz e familiares, não havia sido justo comigo. Estava para encontrar um final de semana para se dedicar a esta empreitada: me encontrar.

Meu paradeiro naqueles tempos era totalmente incerto, ora num lugar, ora em outro.

Byron dedicava-se ao estudo na faculdade, ao namoro com Marina e ao paraquedismo, que tornara-se seu esporte preferido, ou seja tentava recuperar parte da mocidade que havia perdido no seu engajamento a TFP. Estava meio que “rompido” com George, pois este mantivera-se fiel a ideologia do Plínio e bando.

Foi neste fundo de cena que ocorreu a tragédia. Foi devido a manifestações das vontades que Byron tinha um pouco antes da morte, que levaram a família a me procurar, como uma espécie de compensação.

Todas as roupas e pertences pessoais de Byron foram entregues a mim, (tínhamos mais ou menos o mesmo corpo). Dona Beatriz acreditava que assim procedendo estava exorcizando a figura do filho que a afligia fantasmagoricamente (não sei se era consciência pesada ou o que?). Bem, independente dos motivos, me tornara “herdeiro” dos bens de Byron.

Para você ter ideia, até uma razoável quantia em dinheiro me foi entregue, sabedor das vicissitudes que passava, o que Byron tinha em cash algo em torno de 10.000 dólares me foi doado. Quantia esta, que para mim foi um grande achado, pois foi com este dinheiro que fui morar em Buenos Aires e pude fazer frente as necessidades básicas.

Dinheiro inesperado já me ocorreu algumas vezes, que surge de portas inimagináveis. Outra vez foi em 1993. Um amigo meu, Carlos Uno, já falecido, gostava de beber grandes quantidades de whisky. Havia sido convidado para a inauguração do bingo do São Paulo Futebol Clube na Alameda Pamplona. Convidou- me para jantarmos e depois assistir a tal inauguração. Era uma noite de segunda feira e fomos.

O grande sorteio da noite era um carro 0 km tipo Monza que seria sorteado no grande sorteio via bingo, com cartelas a venda. Meu amigo comprara dezenas de cartela e estava jogando no computador, pois só assim poderia marcar todas as cartelas. O salão estava lotado (segundo os organizadores havia aproximadamente 4000 pessoas), antes do inicio uma das moças vendedoras das cartelas, passava pelas mesas e gritava: Ultima cartela, última cartela.
Estava distante do meu amigo, pois ele se encontrava numa mesa de computador e eu, na mesa de quem joga com pouca quantidade, e eu não tinha nenhuma cartela, primeiro por que estava meio que “durango”, segundo por que havia esgotado, quando a moça passou por mim, num gesto brusco, arrematei a famigerada ultima cartela e ela por sua vez arrematou meu ultimo dinherinho (confesso que na hora fiquei arrependido por meu ato espontâneo e impensado). Era algo em torno de 1000 cruzados novos (mais ou menos 200 reais atuais). Enfim, já estava comprado e não adiantava arrependimento.

A cartela era composta de um conjunto de 6 bilhetes individuais, e quem marca manualmente tem de estar bem atento para não deixar passar nenhum numero, se bem que existia um painel eletrônico gigantesco para auxiliar os retardatários na função de marcação dos números. Começou o sorteio com o narrador fazendo grande estardalhaço para cada numero sorteado: 22 , 38, 43, e lá ia o cara narrando, criando suspense a cada bola sorteada.5 bilhetes meus estavam com resultados pífios e estavam ridículos. Mas o bilhete 29510 (o ultimo da serie) na 48 bola estava por apenas dois números: o 29 e o 53. Quando o locutor anunciou 29, e pude ver pelo canto dos olhos que a bola subsequente era o 53 (mal o cara tinha anunciado este numero) dei um berro BINGO, que estremeceu todo o salão. Meu amigo disse depois que reconhecera minha voz, mesmo estando do outro lado. Comoção geral. E o locutor solicitou para a atendente o numero da cartela contemplada. A moça disse o numero e o locutor conferiu, estava correto e eu havia sido o grande ganhador. O gerente da casa no momento da premiação me questionou se eu queria o veiculo ou a quantia em dinheiro, lógico que preferi o dinheiro, pois carro já tinha e não haveria necessidade de um segundo veiculo.
Luigi , calcularam a quantia baseado no Jornal do Carro do Jornal da Tarde e me deram o cheque (algo em torno de 30.000 dólares), em festa de premiação realizada in loco para todos os presentes. Meu amigo ficou mais contente do que eu, estava eufórico. Enfim foi uma noite inesquecível.

A sorte, de vez em quando, sorri para mim, surgindo de forma inusitada, sem nenhum planejamento, vai explicar... Houve uma época em minha vida, na década passada, que me dediquei quase que profissionalmente aos jogos de bingo. Dizem que é fachada para lavagem de dinheiro, mas para mim, sempre fui agraciado com sorte, muita sorte.

Para você ter ideia, joguei muito em diversos bingos em diversas localidades. Em S. Paulo sempre voltei ao bingo do S. Paulo Futebol Club; em Porto Alegre o bingo da praça da Alfândega e o Mega bingo; em Curitiba o Batel Bingo. Em todos eles ganhei e não foram pequenas quantias. Para você ter ideia, no Batel Bingo, em fevereiro de 1999, eu ganhei quase que todos os dias. Até a Natalia, que é muito pé-no-chão e pratica rendeu-se a minha sorte. Lá havia rodadas de 1000, 2000, 5000, 10.000 reais; em fevereiro de 1999 cheguei a levantar uns 50.000 no total entre os ganha-e-perde.  Contando assim é difícil acreditar, mas pode acreditar, não teria nem porque mentir. Só não amealhei uma fortuna porque para ganhar um bingo de 10.000 eu gastava uns 3000, jogava com centenas de cartelas só no computador. Se é lavagem de dinheiro eu não sei, mas para mim foi um local para ganhar muito dinheiro. As leis governamentais acabaram com minha mamata. Rsrsr.

Seu amigo que morreu é aquele de Ferraz de Vasconcelos? Aquele que você ia de vez em quando visita-lo e fazia uma grande caminhada? Se é a mesma pessoa. O que você comentou em emails anteriores é de que não se cuidava adequadamente. Normalmente os artistas sensíveis tem tendência para a auto-destruição e infelizmente não há como evitar...

É como uma rota de mão única que não permite desvios nem voltas. Espero não ter te cansado, por hoje é só vou ficando por aqui. Forte abraço, Paulo.

Dearest Paulo,  17 August 2009.

É realmente muito incrível o final da história trágica do Byron Antoniadis e sua família ‘disfuncional’. V. já pensou algum dia analisar por que a ideologia nefasta de uma organização como a TFP conseguiu penetrar dentro de uma família tão [aparentemente] bem estruturada como a dos Antoniadis.

Luigi,   23 August 2009.

Totalmente detetivesca sua analise sobre a  real situação da família Antoniadis. Já te disse que você poderia ser um escritor a la Conan Doyle? Já pensou vc escrevendo romances de mistério? Tudo de forma tupiniquim e resolvidas pelo detetive Luigi? Me fascina, e muito as elocubrações que os detetives encontram e agem, apenas por um pequeno detalhe...

Na realidade as coisas foram sucedendo no meu relacionamento e naquele tempo nunca havia pensando com tamanha profundidade;  não possuía naqueles tempos, material (cérebro) para tamanhas indagações. O que hoje posso dizer é que o cérebro funcional daquela família era a Beatriz. Beatriz Cunha (nome de solteira).  Era de uma alta família classe media do Rio de Janeiro. Foi ela quem me introduziu o Rio. Foi com eles que "fugi" em 1962, para o Rio de Janeiro, na Semana Santa, deixando uma carta para minha tia explicando para que não se preocupasse e que estaria de volta na quarta feira subsequente, ocasionando a posteri conflitos inimagináveis. Conhecer o Rio em 1962, foi uma aventura inesquecível.  Naquela época o Rio era o paraíso na terra, cidade quente e acolhedora, tudo parecia e respirava poesia, ainda mais Beatriz e família que moravam na Visconde Pirajá com a Montenegro, em Ipanema (época de Vinicius e cia) naqueles logradouros.

Nunca mais esqueci as noites de Ipanema, onde todos saiam para as ruas e alamedas, onde se respirava o perfume da flor dama-da-noite, e sempre haviam as risadas e o povo extremamente feliz, boêmios violonistas, namorados, todos embebecidos pelo recanto mais alegre da face da terra. Foi com os Antoniadis que conheci este Rio que não volta nunca mais...

Voltando sobre as elocubrações desta época dourada, Beatriz Antoniadis tinha como filosofia deixar as coisas acontecerem pois acreditava que tudo possuía um rumo e que as coisas, de uma forma ou outra, tomariam um curso, e não seria ela quem "mudaria" o curso que estava traçado.

Foi por isto, creio eu, a permissividade que foi dada a Byron e George. Tudo lhes foi permitido, desde o ingresso na TFP e consequente abandono escolar.

Para se ter ideia, não sei se voc conhece o CAL Center – Centro Adolpho Lindenbergh - na avenida Faria Lima (antiga Iguatemi), perto do Clube Pinheiros e Shopping Iguatemi. Na realidade foi o primeiro shopping de Sampa, ainda existe até hoje, com um prédio de 20 poucos andares (escritórios) e térreo servindo de lojas. Pois é, este empreendimento (20%) pertence aos Antoniadis. É desta fortuna que George sustenta hoje parte do movimento da TFP. Lefti foi um dos engenheiros que construiu Brasilia. Muito se fala de Oscar Niemayer, no entanto quem construiu Brasilia, em termos de engenharia, foi a construtora Adolpho Lindenbergh, tendo Lefti como um dos engenheiros principais, o que possibilitou a ele amealhar uma grande fortuna, aplicada na construção deste CAL Center, o primeiro do Brasil, em termos de empreendimentos deste volume.

De qualquer forma, o que posso deduzir é de que famílias (através de seus membros) cometem erros que a primeira analise é difícil de deduzir. Por exemplo a minha família: minha Mãe viveu uma existência totalmente voltada para a família. Imagine você, chegaram no Brasil em 1932 e até 1947 , minha mãe com 17 anos na chegada ao Brasil, viveu exercendo a função de patriarca (meu avô tinha ficado no Japão) – e quando conheceu meu Pai (seu único e grande amor), viveram um tórrido romance interrompido com a morte de papai em 1956.

A partir daí minha mãe literalmente "desbundou", entregando se a bebida, até ter a serie de acidentes vasculares cerebrais que culminaram com a tetraplegia permanente. Foi difícil compreender por que minha Mãe, uma guerreira, terminou seus dias desta forma, sendo, inclusive, acusada por familiares de que não possuia o amor materno.

Sabe aquelas historias de mãe e filho vencendo todas adversidade e triunfando? Pois é, minha mãe abandonou a barca, me deixando só, e com minha historia. A musica ‘Mother’, de Lennon, seria minha autobiografia. É difícil compreender a historia de minha Mãe. No entanto hoje compreendo todas as nuances que envolveram mamãe. Moça romântica, nascida durante a primeira grande guerra, veio ao Brasil, acreditando encontrar o Eden e durante 15 anos (naquela época a expectativa de vida era de em torno de 55 anos para mulheres) viveu para o crescimento e desenvolvimento da família e nunca havia pensado em si própria. Quando conheceu meu pai e achou que poderia viver para si, meu pai faleceu.  A partir daí não teve mais força para lutar e eu era muito pequeno para entender e tentar reverter esta historia.

Só compreendi a totalidade desta historia depois dos 40 anos, quando possuía escopo e material mental que possibilitou toda a compreensão necessária.

É, seu amigo Jaime foi vitima de uma adequação que não fazia parte de sua vida. Digo isto, por que eu, com minha condição renal crônica, tenho vivido regras inquestionáveis para poder sobreviver; horário de medicamentos (que não são poucos), horário para diálises, horário para alimentação, horário para descanso; enfim, ou eu sigo estas determinações para obter o mínimo de qualidade de vida ou eu sucumbo.

Preferi tentar sobreviver e confesso, não tem sido fácil, mas é uma luta que resolvi me engajar para sobreviver. Afinal, apesar de tudo, " A Vida é Bela"... Por isso é a luta, my friend, da disciplina contra o desbunde ...

Espero não ter te cansado. Fico por aqui, ótimo domino, e um forte e efusivo abraço, Paulo.

23 August 2009. (Rita Pavone completa 64 anos nesta data querida!)

dearest Paulo,

obrigado pelo elogio de me comparar com um ‘detective story writer’... maybe a ‘paperback  writer’ after all... Sei lá quando eu comecei com essas elocubrações de tentar ‘reconstruir scenas’ e situações vividas em determinado momento. Acho que isso advém do meu engajamento  político. Leio muito sobre as situações políticas do mundo em geral desde 1969, quando trabalhei na Folha de S.Paulo, e tinha jornal de graça para ir lendo no ônibus de ida e volta ao trabalho. Comecei a ler sobre a situação do Perú, na época.

Me lembro que o colunista Newton Carlos, vivo até hoje, foi meu primeiro ‘ídolo’  jornalista-político. Desde então já devo ter lido o equivalente a mais de uma biblioteca inteira sobre esse assunto. Com o tempo v. já sabe quem deu o golpe, quem mandou, se a CIA [ou KGB] estavam envolvidas etc.

Me lembro que quando comecei a ler livros da Agatha Christie (no final dos anos 90), os achei primários demais, com muitos erros na trama. Não conseguia entender como uma história tão cheia de ‘furos’ podia cativar tanta gente, se eu já tinha visto tanta inconsistências bem antes do final [do livro], que invariavelmente me decepcionava. É que eu já tinha mais de 30 anos de ‘janela’ de leitura de jornalismo político.

Acho que foi essa bagagem que me faz, atualmente, sempre tentar ‘reconstruir’ as vidas das pessoas e as ligarem a padrões sociais pré-estabelecidos.

Você me deu a resposta definitiva do ‘mistério’ da familia Antoniadis quando disse que: ‘o cerebro funcional’ daquela família era a Beatriz Cunha. Beatriz Antoniadis tinha como filosofia deixar as coisas acontecerem pois acreditava que tudo possuía um rumo e que as coisas, de uma forma ou outra, tomariam um curso, e não seria ela quem "mudaria" o curso que estava traçado.”

Aí você ‘matou’ toda a questão karmica. Na verdade eu concordo com ela [em tese]... eu tb. estou de acordo com a máxima de ‘live and let live’. Quanto mais v. quer ‘controlar’ as coisas, mais as coisas te controlam, ou fogem de seu controle.

Quanto à situação karmica de sua Mãe, é bem compreensível também. Até me lembrou 'Les cœurs tendres' (Tender hearts), uma musica do Jacques Brel, que eu conheço numa versão em inglês... ‘There are those with hearts so open, one walks in without a knock’...  Isso quer dizer que existem pessoas que são mais frágeis que outras. Há pessoas que passam vários ‘báques’ e decepções na vida e continuam eretas.  Outras são mais frágeis, e nunca se sabe o que fará com que elas ‘quebrem’. Sua Mãe deve ter sido desse segundo tipo. Foi muito forte durante muitos anos, ajudando a manter uma família unida, apaixonou-se, casou-se. O destino, porém, lhe ‘roubou’ a felicidade e ela ‘desmontou’. É um mistério, é uma tragédia.

Como já te disse, eu tive a suprema felicidade de nunca ter tido uma vida de tragédia, como, por exemplo, a sua.  Tive pai e mãe, avós paternos [os dois] e até uma avô materno, que morreu com 87 anos, quando eu tinha 9 anos. Tive irmãos e irmãs, que se tornaram adultos. Isso é, uma família que a morte visitou nos horários certos... ninguém morreu ‘antes do tempo’, embora meu Pai tenha morrido com 63 anos, que eu acho relativamente jovem. Mesmo assim eu sempre fui um pouco ‘mal agradecido’ a Deus, ou Destino, ou Providência. Imagine se eu tivesse tido tragédia em família. Sei lá... tudo é muito misterioso. A única coisa que é certa é a morte... essa nivela a todos e tudo no final.

Você diz no final de sua mensagem: “Preferi tentar sobreviver e confesso, não tem sido fácil, mas é uma luta que resolvi me engajar para sobreviver. Afinal, apesar de tudo, " A Vida é Bela".. Por isso é a luta, my friend, da disciplina contra o desbunde...”

Olha, sábias palavras as suas. Principalmente porque eu não acredito em vida após-morte. Aliás, eu acho essa expressão ridícula. Como pode haver ‘vida’ depois de ‘morte’? Uma palavra é a antítese da outra. Então eu acho que v. tem que ‘hang on to what you’ve got’... acho que em inglês fica tudo mais explicadinho. Segure o que v. Tem agora, pois é o aqui e agora que conta.

Voltando à sua viagem ao Rio de Janeiro em 1962. Realmente deve ter sido uma maravilha. O Brasil era outro... uma democracia! O Rio era a capital cultural do país, com os melhores jornais e revistas, as melhores radios, cinema.  Enfim, o Rio e o Brasil eram muito melhores que hoje. Só de pensar que v. se lembra do cheiro de dama-da-noite em Ipanema já é quase que o começo de uma poesia.

Eu só vim conhecer o Rio (muito por cima) em 1967, quando estive lá na casa do Jorge, aquele fã da Rita Pavone, que morava em Santo Cristo, perto da Rodoviária ‘nova’. Voltei em 1969 com o Nino, e mais outra vez. Depois, só retornei ao Rio em 1977. Estava tentando ‘fazer a vida’ lá (em Botafogo) quando o Elvis Presley morreu, em 16 Agosto 1977.

Bem, querido amigo Paulo... por aqui vou ficando. Cuide bem de sua saúde, pois você faz diferença nesse mundo... podes crer. Podemos até nem nos vermos pessoalmente, mas eu  sei que v. está aí em algum lugar, e eu poso me comunicar com você.

Depois que nós ‘reatamos’ eu fiquei sabendo um monte de coisas sobre aqueles ‘nossos tempos’ que não sabia antes. Então nossa ‘nova’ amizade tem sido muitíssimo proveitosa.  Espero que continuemos assim durante muito tempo ainda... Luv, Luigi.

Luigi:    3 September 2009.

Agradeço bastante suas conclusões no email-anterior no que se refere a minha adoção de postura diante da doenças e consequente maneira de pensar.

No entanto, você que é meu amigo, talvez o mais antigo que eu me recorde, tenho de te confessar algo. Não adquiri esta aparente sabedoria ou coisa que o valha, é apenas consequência do que ocorreu. Tive por duas vezes diante das portas do além, a primeira não sofri muito, pois sofri um infarto, fiquei meio que comatoso. A segunda, o que sofri é algo indescritível, pois estava com pneumonia, além de todas as doenças (infartado, renal crônico etc). Quando levado a UTI, os procedimentos médicos foram dados comigo totalmente consciente, e Luigi, você não imagina o horror de ser a personagem principal de um episodio deste nível. Todos correndo contra o tempo para tentar te salvar, injeções na veia, balões de oxigênio, sua não-reação aos estímulos externos, e todo aquele povo gritando no teu ouvido, segundo por segundo, o que seu organismo reagia ou não.

Foram quase que duas horas, que pareceram 24 horas, e você sem ar, não estava conseguindo respirar, estava ficando roxo (creio eu), e a equipe médica toda a seu redor tentando de tudo que estava ao alcance, ouvia uma voz dizendo "Vamos ter de entubar", "Vamos ter de entubar"; outro respondia, "Aguarde, ele não vai resistir se entubar”.

Neste cenário surrealista de verdadeiro horror, você não se pertencia mais, seu cérebro estava consciente mas as funções vitais que mantém um corpo vivo ou não, estava escorrendo lentamente a uma velocidade descomunal; parecia outra vida, outra dimensão. Uma voz dizia "ele não reage mais", e você no limite da consciência e da inconsciência, e por dentro, Luigi, você vai mentalizando, "Estou morrendo","estou morrendo"!  E a falta de ar, mesmo você com oxigênio em balões, vai num crescendo. E você vai pensando: não vou resistir, acabou, c’est fini, e o sofrimento corpóreo aumentando no limiar do suportável.

Uma voz disse "Não dá mais", de repente uma mão segurou na minha e um dos enfermeiros (que depois descobri chamar-se Mauricio) disse quase num sussurro para mim "Seu Paulo, está me ouvindo? Se sim acene a cabeça. Num gesto de desespero acenei com a ultima força que me restava. "Seu Paulo, o sr. conhece Yoga? Se sim, pisque os olhos". Num átimo de desespero, balancei os cílios (ou pelo menos senti que estava balançando). "Seu Paulo, respiração lenta e compassadamente, inspire e expire, lentamente como se cada milímetro de ar fosse o mais importante em sua vida".

Sua mão segurava na minha vigorosamente e ele repetia como se fosse um mantra, inspire e expire, não tente respirar pela boca, inspire pelo nariz e expire pela boca. Não sei quanto tempo ficamos nesta "ultima chance", estava quase que adormecendo quando escutei, "Deu, reagiu com tudo, deu certo".

Aquilo foi a ultima coisa que escutei naquele momento terrível, pois logo a seguir desmaiei de tanto esforço. Só fui despertar no dia seguinte. Para se ter uma ideia, esta minha epopeia começou algo em torno das 19 hs e culminou mais ou menos meia noite (segundo me informaram depois). Despertei em torno das 11 horas, e respirando, respirando, quando percebi da minha consciência, exultei, ESTOU VIVO.

Aos poucos fui adquirindo toda a consciência, e notei a euforia da equipe que havia me socorrido. Afinal fui um dos que sobreviveram na UTI. Todos vieram me cumprimentar, dizendo palavras de incentivo.

Notei aonde estava, numa sala onde estão os doentes terminais – seja que motivo, na sua grande maioria infartados. Quando recebi a visita daquele que se apresentou: Mauricio, "O sr se lembra de mim?" Embora entre a consciência e a inconsciência, jamais esqueceria o timbre, o tom daquela voz que me guiou nas trevas da provável inexistência e sofrimento.
Disse sim, claro que sei. Mauricio me perguntou, "Seu Paulo" o sr. faz exercícios físicos regularmente?

Disse sim, pois antes de todas estas ocorrências, costumava entre andar e correr em torno de 10 kms diarios, faça sol ou chuva desde 2004, tendo adquirido uma compleição mais atlética.

Com minha afirmativa, Mauricio completou: “Foi isto que te salvou, o ultimo resquício de energia subjacente, muitos quando chegaram na sua fase, não resistem e sucumbem; o sr. aguentou devido a anos de atividades físicas que lhe renderam uma atividade aeróbica renovadora.”

Aquelas palavras ditas pelo meu "salvador" produziram efeito de uma grande revelação. A qualidade de vida que a gente busca, depende de cada instante de sacrifício que praticamos ao longo de anos, e fui recompensado, pois havia vencido principalmente a preguiça, e me empenhado em longas caminhadas/corridas no parque perto de casa, investimento não perceptível momentaneamente mas essencial no momento crucial, o que fez a diferença.

Por isso, Luigi, tenho de confessar, não tenho medo da morte, mas tenho um verdadeiro horror ao embate que a vida faz contra a morte e normalmente traz sofrimentos do tipo que te narrei.

É a busca da qualidade de vida que pode decidir em um segundo tua sobrevivência. Por isso não é a grande sabedoria que adquiri, e sim o grande medo de morrer sofrendo. É isso que ocorreu.

Não acho que seja apenas seu discernimento politico que trouxe a tua mente as elucubrações necessárias para concatenar as ideias e descobrir os eventuais furos. Eu, particularmente, acredito que alguns seres nascem com esta facilidade, algo como, existem pessoas que tocam violão sem nunca ter frequentado uma escola, e existem outras que perseguem por anos a fio o aprendizado de um instrumento e após anos descobrem que são medíocres. Para mim existe um dom natural. E a sua precisão em detectar o real nas historias, é um dom natural, próprio da sua pessoa.  Muitos perseguirão esta condição, mas você já a possui naturalmente. Como você sabe que as historias de Ellery Queen tinham furos? Por que você já possuía esta condição a priori, como diria meu amigo Emannuel Kant.

É isso aí meu amigo Luigi, por aqui vou ficando e retornando suas palavras, você também é um ser que faz diferença. Um grande, grande abraço, Paulo.

Luigi   9 September 2009.

Comecei a escrever as 9hs e 9 minutos. Dia fortuito e muito importante.

Beatles relançaram o catalogo "básico".

Tive oportunidade de escutar algumas músicas relançadas, remasterizadas. Nossa, é algo arrepiante.

Não existe duvidas, são realmente os melhores, a nitidez que os engenheiros-de-som conseguiram é digno de nota. Conseguiram realizar um som up-to-date, certas aparentes confusões sonoras, produto de uma tecnologia antiga, são resolvidas com uma nitidez lúcida. ‘I'm the walrus’ é um grande exemplo; surgiram novas’(?) equações musicais.

Magnifico, esplendido, muito bem trabalhado, não foi a toa que 8 anos foram gastos com a remasterização. Agora preciso juntar dim-dim para adquirir tudo novo inclusive com novas peças inéditas em termos de lay out de discos.

É só isto por hoje, não poderia deixar de te escrever , pois fiquei totalmente alucinado com este relançamento. Grande abraço, Paulo Tyba.

Luigi  17 September 2009.

Se em email anterior consegui fazer rolar emoções com a minha descrição sobre a morte, você conseguiu fazer com que eu viajasse para New York.  É como se tivesse vivido estas paragens, é como se você tivesse me descrito a rua Harmonia com suas ladeiras, consegui numa fração de segundo me transportar e tive uma experiência vivida no local mesmo sem nunca ter ido.

Confesso que sempre tive receio de enfrentar situações de imigrações como esta, principalmente o fato de ser oriental num local anglo com vários requintes de preconceitos como USA, por isso tudo acabei ficando por aqui. Além de que, nunca tive vontade de conhecer USA. Dos locais que sempre tive vontade de conhecer foram principalmente a Europa. Interessante é que sinto total desinteresse em conhecer a America, talvez um local ou outro, mas rola um certo desprezo até. Sei lá..... (coisas internas sem explicação lógica).

Quanto o fato de Lennon, acho particularmente de que todos nós temos "destinos" a serem cumpridos, e o destino, o desfecho dele encontrava-se lá. Não havia como fugir a este enquadramento, não me pergunte qual é a teoria de que utilizo, mas acredito que todos possuem caminhadas a serem realizadas e existe um local para o inicio e posterior conclusão. Parece algo trágico, mas eu creio assim. Se estivermos num local as possibilidades de acontecerem certos fatos são maiores ou menores, mais ou menos acentuados. Por isso acredito de que existem locais que devem ser evitados por determinados tipos; seria um local chamado de detrimento, local de exclusão, e ao contrario, existem locais que agem como ponto de beneficio, de inclusão etc.

Já tentei explicar esta ótica sob o ponto de vista eletro-magnetico. Todos nós possuímos eletricidade e existem lugares onde a estática eletro-magnetica do planeta estão agindo e pode ser benéfico ou maléfico. É apenas uma força que pode agir fortuitamente a favor de algumas pessoas e negativamente em outras.

Por que a gente se sente tremendamente bem num local e terrivelmente mal em outro? Não sei te explicar, mas como estamos sempre conversando no limiar de nossos sentimentos, te digo que é algo que eu particularmente sinto, intuitivamente.

Não sei se para você estou divagando numa longa viagem como se diz hoje viajando na maionese, mas eu particularmente sinto assim...

Mary Travers * 9 November 1936  + 16 September 2009.

Recebi suas fotos da Mary (Travers), lamentável, grande perda, sua voz era um acalanto no meio da escuridão, muitas vezes embalou meus sonhos com possibilidades e delírios de tempos  melhores.

Esta nova releitura dos Beatles. Estou pesquisando novamente e descubro de que não existem limites, por exemplo, certa vez Lennon e Macca reclamavam de que o som que imaginaram não é o mesmo som que gravaram, não conseguiram traduzir a alma, apenas ocorreu um arranjo mas certas nuances ficaram desconhecidas e provavelmente ficarão a espera de uma tradução mais fortuita.

Hoje estou divagativo demais.... Vou ficando por aqui, senão enlouqueço a mim e a você.
Grande abraço, pode acreditar que vc. também me inspira muito. Paulo.

Luigi : 20 October 2009.

Meu querido amigo, quanto tempo hein?

Como deves de ter presumido com certeza, estive com problemas. Fiquei internado aproximadamente 20 dias, por conta de uma infecção intestinal.

Como tenho minha imunidade baixíssima foi motivo de preocupação para meu médico cardiologista, pois foi constado de que meu coração enfraqueceu mais um pouco; infelizmente minha capacidade cardíaca baixou um pouco mais.

Enfim, ainda não foi desta vez; mais uma vez retorno ao mundo dos vivos com muita alegria de viver e comemorar a vida. A vida é bela, sem duvida alguma; não existe nada mais apaixonante do que a vida, mesmo com todas as restrições que se acometeram em meu corpo cansado.

Pareço um velho desabafando, a dirty old man said: rsrsrsrsrsr. Não repare é alegria contida.

Não é fácil ficar 20 dias num hospital. Começa a te bater uma paranoia e a mente fica a coisa mais difícil de controlar e a gente começa a pensar em besteiras o dia todo. Ainda bem que tinha meu mp3 com todas musicas dos Fab Four, pois a TV do quarto (três hospedes em cada quarto) só dava rede Globo e ainda não desenvolvi estomago para tanto. Só algum filme interessante e olhe lá.  Não sei como o pessoal consegue ficar assistindo Faustão num domingo; é demais mesmo para minha paciência oriental. argh.

Luigi espero que tudo esteja bem por aí. Estou escrevendo um pouco; preciso me re-acostumar a escrever. Um grande abraço saudoso e efusivo.
Your eternally friend, Paulo Tyba.

Amadíssimo Paulo,   21 October 2009.

Você não sabe como fiquei feliz em ver o nome ‘Paulo Tyba’ na in-box do meu Gmail.

Ainda bem eu saí daquele ‘frame of mind’... e, gozado, eu estava andando pela rua e pensando exatamente o que v. expressou nessa sua mensagem: ‘A vida é bela, sem duvida alguma; não existe nada mais apaixonante do que a vida, mesmo com todas as restrições...’
Eu estava pensando isso ante-ontem, um dia antes de receber seu escrito.  Andava e pensava: só o facto de estar respirando é uma alegria...

Sim, não interessa quanto tempo vai durar... o Aqui e Agora é o melhor.  Estar vivo, estar respirando e não estar com dor, pois dor é algo que nos distrai [desvia] muito do sentimento de ‘well-being’ [bem estar] é o que conta, afinal.

Ainda bem que v. tinha a companhia dos Fab4 em seu mp3... pois já dá para viajar por outras plagas...

Só de pensar na narração de Paul em: ‘Wednesday morning at 5 o’clock as the day begins... silently closing her bedroom door, leaving a note that she hoped would say more she goes downstairs...’  É incrivel como você é levado para um mundo literário com essa musica. 

O Fernando, que aprendeu inglês bem, teve como lição a ‘interpretação’ de ‘She’s leaving home’ e nunca mais se esqueceu. Ele veio aqui no domingo e recitou a historinha da musica, e eu percebi como é ‘powerful’ as palavras dessa pequena odisséia.  Mais lá  p’ro meio... ‘meeting the man from the motor-trade’... o Fernando pensou que era ‘motocicleta’, mas eu lhe disse que o cara que a moça vai se encontrar é um ‘vendedor de carro’. Certo?

É uma musica de 3 minutos, mas é, praticamente, um livro inteiro... E a hora que a mãe, descobrindo que a filha ‘fugiu de casa’, diz p’ro pai: ‘Daddy, our baby’s gone!’ É de uma tristeza punjante. Uma verdadeira obra-de-arte, sem dúvida alguma.

E com essas imagens poderosas eu vou terminando essa, ainda sentindo muita alegria de poder ‘vê-lo’ novamente pelo cyberspace... and alive and kicking, como se diz.
Abraços múltiplos, Luigi.

Luigi  22 October  2009.

Incrivel como funciona a sincronicidade. Quando tu te referes na ultima mensagem a "She's leaving home". Na verdade esta musica era a minha música, aquela música, uma espécie de auto biografia. Não sei se você vai lembrar, mas quando saí da casa de minha tia, antes de ir morar numa pensão, na Rua Sinimbú, passei umas duas semanas com vocês. Isto foi em agosto de 1967, e todas as vitrolas do mundo tocavam Sgt Peppers inclusive a sua. Mas a musica que me deixava embasbacado de todos os tipos de sentimento era 'She's leaving home', que eu ouvia como 'He's leaving home'. Afinal estava deixando todas as minhas raízes e embarcando numa aventura que sequer conseguia imaginar o desfecho.

Parecia que Lennon e McCartney estavam de alguma forma "compondo" para mim.

Não, não se incomode se as vezes você estiver numa pior e escrever as piores coisas deste mundo. Acredito que construímos nossa a amizade sob a égide da franqueza. Por muitas vezes , creio que proporcionamos os piores momentos um para o outro , no entanto se soubermos compreender de que a vida é uma eterna luta de nossos pensamentos e em sua grande maioria os piores pensamentos, e felizmente após uma intensa luta conseguimos nos safar quase sempre integralmente e podemos compreender, puxa que coisa terrível que passei, sinal de passos decisivos para o auto aperfeiçoamento.

Por isso te peço, não vamos nos "mascarar",simplesmente por que estamos num mau momento. Acredito que a amizade deve estar acima destes momentos.

Por hoje é somente isto. Um grande abraço sincero, Paulo Tyba

P.S.: demorei a escrever pois ainda sinto fraqueza pelo longo internamento.

http://www.thebeatlessongbysong.com/ShesLeavingHomeScript.html


Getting better !!!!!  17 Dezembro 2009.

Luigi:

Fiz a primeira angioplastia, verdadeiro sucesso. 
Parece que rejuvenesci uns 10 anos no mínimo.
Restam duas, as mais sérias, pois o comprometimento cardíaco-vascular chega a 95% em uma delas.

Parece que serei internado no dia 21 Dezembro; não sei, provavelmente acabarão deixando para o começo do ano. De qualquer forma, it's getting better all the time.

Fiquei este período sem escrever pois fiquei internado para exames e analises, pois nem todo médico queria realizar angioplastia. A maioria queria realizar a ponte-de-safena (nesta opção tou fora).

Encontrei um médico disposto a correr riscos junto comigo, o dr. Ducilek, que juntamente com seu assistente, Dr.Alvaro, concordaram em realizar a angioplastia, mesmo correndo riscos de lesões, mas um procedimento menos invasivo.

O duro foi ficar internado e realizar testes para eliminar bastante a possibilidade de óbito (não tou a fim de ir, argh).

Fiz a angioplastia em 3 Dezembro e agora me mandaram para casa. Foi um verdadeiro sucesso.  Até os médicos comemoraram pois normalmente não se faz este procedimento, pois segundo eles, minhas artérias estavam parecidas a um caminho-de-rato (o Sig, do Pasquim).

Mas enfim , estou por aqui. Como vai você? E as novidades?

Não me deixe without answers. Quero saber de tudo para me sentir mais vivo do que nunca. OK?

Me mande resposta meio rápida, please, pois segunda já é 21, e maybe, posso ser internado (intimamente não acredito).

Verdadeiramente, Saudosos abraços (com sensação da Vila Madalena) yours, Paulo Tyba.

Luigi:  Dezembro 2009.

De fato eram ruins mesmo, os American Beetles (argh, que nojo). Eu e o Aloisio éramos melhores, modéstia a parte; isto porque eles tinham aparelhagem idêntica aos Beatles (FabFour).

Mas só porque você é meu grande amigo, em anexo vai uma foto desses trairas americanos (que nojo, de novo, argh).

Como sou Beatles forever, sou obrigado a ter no meu arquivo pessoal, coisas agradáveis dos Fabs como as DESAGRADAVEIS também.

Teatro Record, que saudades dos early years. Em 1961 fui a apresentação do Bat (Gene Barry) Masterson. Não sei se você sabia, mas a música-tema era cantada pelo próprio Gene Barry, e na apresentação que estava previsto o inicio as 21:00 hs, só começou pelas 22:30 (show  tupiniquim).

Havia uma mis-en-cene, todo um introito. O cenário era um bar far-west, com dezenas de figurantes (extraídos dos filmes do Mazzaropi), fazendo o tipo de bandidões americanos todos trasvestidos de cow-boys. Havia a cena da mocinha sendo incomodada e do provável tiroteio que se tornava iminente. De repente a portinhola curva do bar abre e quem entra? O próprio entoando "Back when the west was very young, there lived a man named Masterson...'

O teatro quase caiu abaixo, todos hipnotizados pela figura carismática de Gene Barry vestido à la Bat Masterson com sua emblemática bengalinha (deve ser fálica). Enfrentou a todos bandidos e, logicamente, venceu.

O restante do show foi meio fraco, pois Gene Barry era cantor-ator e até cantava bem, mas o repertório não tinha nada a ver; ‘Moon river’, ‘True love’ e por aí afora. Todos querendo mais apresentações a la Bat Masterson e Gene exibindo suas qualidades vocais. Hoje entendo que faltou sensibilidade a quem bolou o show.

Não se subestime, tens toda capacidade para ser um programador.

Por que todo gay subestima seu valor, mas na realidade são todos inteligentissimos. Talvez pelo hibrido que são meio homens, meio mulheres. A sensibilidade feminina que falta nos homens, sobra nos  gays, o que faz com que "captem" todo exterior, conseguem captar a sintonia de todos os viventes. Até hoje não conheci nenhum gay burro, todos são perspicazes e antenados.

O enfermeiro que me serviu durante a estadia na UTI era o Edmar, que é gay. Quando descobriu que não tenho preconceitos, fizemos uma grande amizade. Edmar geralmente é vitima de bullying de alguns colegas de trabalho e de pacientes, mas ficou bastante amigo quando percebeu minha sinceridade e minhas opiniões a respeito dos gays.

Vou ficando por aqui, não se esqueça de me contar as novidades hein?
Um grande, grande abraço, Paulo.
Gene Barry  * 14 June 1919  + 9 December 2009.
Gene Barry, o Bat Masterson, in 1961, while performing in São Paulo & Rio. 

Luigi:  19 Dezembro 2009

American Paraguación

A quinta diretriz do B.I.A. (Beatles International Association) ensina que devemos consertar ensinos errôneos musicais, as distorções que não acrescentem nada e, pior, conseguem apresentar cópias horripilantes do ponto de vista musical denegrindo a imagem do ORIGINAL, este sim, quase perfeito, às próximas gerações protegendo assim o patrimônio Universal que representam os FABFOUR.

Mesmo assim , como você é meu grande a migo, te envio mais uma foto desta cópia (argh), acreditando que deve ser para alguma pesquisa
seria. E sei que você conhece o bem e o mal. (rsrsrsrs)

Abraços da Vila Madalena, Paulo.

Meu grande amigo Luigi:   31 Dezembro 2009.

Este ano que está passando para mim foi de muitas dificuldades e lutas contínuas para me manter vivo.

Aprendi sobretudo que mesmo em situações difíceis, a vida vale a pena. Independente de qualquer credo religioso ou filosófico, vale tentar descobrir a utilidade da vida e descortinar uma nova jornada. Jornada de esperança.

Por isto tudo quando nosso planeta estiver concluindo mais uma volta pelo sol, é o momento de ansiar novos caminhos.

Em sendo assim te desejo do fundo do meu ser, os melhores augurios e realizações para 2010. Que estejamos juntos para enfrentar quaisquer situação. Mesmo acompanhando de longe, que nossas mentes comunguem em unicidade e possamos olhar sempre e eternamente para frente.

Abraço do tamanho do Universo, Com muito amor, Paulo Tyba.

Querido Paulo,  2 Janeiro 2010.

Fiquei muito feliz em receber sua mensagem de esperança no ultimo dia do ano de 2009.  Viva 2010.

Passei o reveillon com a familia do Marcelo. Seu amigo Oswaldo canta bem demais e faz harmonias das mais intricadas. Nós éramos para dar nosso costumeiro ‘show’ lá, mas eu ‘brochei’.

Não sei se já aconteceu contigo, mas eu ‘brocho’ as vezes. Não consigo me animar para cantar ou tocar. A voz parece que diminui de volume e o canto fica ‘p’ra dentro’. Toquei umas 3 ou 4 musicas, não vi receptividade alguma da ‘platéia’, e já fui ‘aposentando’ a viola.

Não toquei mais nada... e olha, nem me arrependo. Eu só toco se achar que há receptividade da platéia, senão eu calo. É mais forte que eu.

Se eu fosse cantor profissional, certamente, teria sido multado em vários shows, pois eu nunca sei quando vou cantar... vai depender da platéia e de outros factores.

Aproveito o clima de boa-vontade para desejar a você tudo de bom possível durante esse proximo período de 365 dias. Ainda não sei se v. conseguiu fazer a segunda angio-plastia, pois você não entrou em detalhes na ultima mensagem, mas tomara que dê tudo certíssimo...
Um super abraço carinhoso e esperançoso de muitos bons momentos ainda por vir...
Seu amigo de sempre, Luiz aka Luigi.

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