Sunday 21 April 2013

Paulo Tyba II

Abandoned building on Rua Theodoro Sampaio where Paulo used to teach History in the 1970s. 

Dearest Paulo – 7 March 2009.

Assuntos muito interessantes, mas eu devo confessar minha Ignorância acima de tudo. Não consigo explicar nenhuma de suas indagações de ‘por que eu?’ e ‘por que pessoas que mal conhecia’, ou ‘então por que não recebo mais dessas comunicações?’.

Só posso responder por mim. Depois te explico porque disse sobre minha grande ‘cagada’ em ser materialista ferrenho. No final de minha adolescência eu passei de católico fervoroso para ‘umbandista’ e logo em seguida passei para um ateísmo cético.

Minha cabeça quase deu ‘nó’ naquela época. Depois de muita duvida eu resolvi abraçar o ateísmo total. Mas, pensando sob o ponto de vista estritamente psicológico, se uma pessoa vai de super-religiosa, como era meu caso... quando uma pessoa está acostumada a ‘acreditar em Deus’... ela tem o ‘Deus’ dentro de si mesma (interioriza a Idéia de Deus). Isso é logicamente explicado pela Psicologia.

Quando v. se torna ‘ateu’, você vai negar o que v. tem de bom dentro de si. E foi justamente isso que se passou comigo. Independentemente da existência ou não de Deus... a pessoa começa um processo de Negação que é muito Negativo.

Note que o Não é total. Então o que acontece com essa pessoa? Ela fica como se fosse um Orfão. V. perdeu um grande Bem que tinha dentro de Si.

Eu não entendi isso e sofri muito durante muitos anos. A minha ‘reconciliação’ com Deus foi aos poucos. Comecei um pouco lendo Khrisnamurti em 1983 ou 1984. Mas eu só concluí essa minha reconciliação qdo. comecei a visitar o Brasil nos anos 90 e ia passar temporadas em Marília-SP.

O irmão mais novo de meu Pai é ancião da Congregação Cristã no Brasil. Bem, eu comecei a freqüentar a igreja dele (como ‘ouvinte’) ... e assistindo os testemunhos dos crentes comecei a ver como era o relacionamento deles com Deus.

Justamente o Deus que para mim era (quase) um Inimigo. Aos poucos eu fui aprendendo a lidar com Deus novamente e a ‘tirar proveito’ disso, pois geralmente as pessoas ‘ganham’ com Deus, ou usando o próprio linguajar dos Calvinistas: ‘Deus operou maravilhas em minha vida!’

É porisso que eu te falei que minha ‘rebeldia’ contra Deus foi muito Negativa para minha Vida Pessoal. Se eu não tivesse declarado Deus meu Inimigo, eu teria tido uma vida mais ‘gostosa’, no mínimo.

É algo tão simples, mas é um processo pelo qual eu passei durantes anos a fio. Eu acho que aí também tem muito de Vaidade. Pois quando você ‘peita’ Deus, tem que haver uma dosagem bem grande ‘presunção’; de achar que ‘eu sou muito bom’. Faltou humildade da minha parte. Mas eu não conseguia ser humilde... ser humilde é difícil.

Parece loucura, não? Mas é a dura realidade. Agora, quanto às pergutas sobre fenômenos ‘extra-sensoriais’... eu não tenho explicação alguma... e tb. é uma seara que eu não me atrevo a entrar, pois eu já sofri demais como todas essas coisas e eu quero é ‘sombra e água fresca’ (se possivel). Eu não quero desvendar mistério algum. Aceito a vida do jeito que ela vem. Já bati muito a cabeça... chega de lutas inglórias. 

Minha natureza é de ‘sair dando chifradas’... mas enquanto eu puder me controlar, vou fazê-lo. Eu sou louco para entrar numa briga. Aliás, você também era assim. Uma das coisas que eu mais gostei em você quanto te conheci, era saber que você ‘brigava na rua’. Tanto que você já tinha perdido um dente bem na frente. E olha que no tempo que eu te conheci eu ainda não tinha desenvolvido esse meu lado ‘briguento’, embora tudo já tivesse ali. Só faltava a prática, pois a ‘teoria’ já estava toda pronta.

Acho que não respondi o que você perguntou... não respondi pq não sei... e não tenho muito interesse em saber tampouco... por motivos quase óbvios... quero sossego, como dizia aquela musica do Tim Maia... que Deus o tenha. Luv, Lu.

Luigi : 9 March 2009.

Perfeito, perfeito, mais que perfeito. Suas definições e conclusões a respeito da validade do divino dentro de cada um. Parece cantico dos evangelicos e afins rsrsrs, no entanto possui verdades quase que absolutas.

Tenho que concordar e me assombrar. Como vc. conseguiu definir a importancia da relação individuo=Deus de uma forma direta e eficaz. Na verdade, creio que passei a vida inteira tentando encontrar palavras que traduzissem esta inter-relação e não havia encontrado nenhuma, até que com o seu email, fui atingido como um raio e percebi com clareza tudo aquilo que havia "sonegado" em minha mente.

Também identifico a você, tive decepções com o divino, devido no meu caso, ao "não atendimento" nas horas de maior angustia da minha infância (a morte de meu pai, e o AVC de minha mãe que culminou na tetra-plegia dela), aliado ao fato de que eu era o estereotipo do "anjo" sobre a terra. Não praticava iniquidades (palavra bíblica), tampouco era infiel e iníquo (outra palavra bíblica), ou seja, era aquele que deveria de receber todas as benesses divinas, pois desde a mais tenra infância instigado pelos ensinamentos do Catecismo e pela formação familiar praticava o bem. Não era justo de que no momento que mais necessitava de Deus, este se negava a atender as suplicas de um "justo". 

Assim mesmo, depois das negativas divinas em concessão de benefícios, fui ser  coroinha na igreja de São Gonçalo (atrás da catedral da Sé), pelos idos de 1964, quando morava na rua Santa Luzia. Cheguei a ser quase que um coroinha"profissional". Para se ter ideia auxiliava em media umas 4 missas diárias, e nos domingos era quase que o dia inteiro. O padre Takeuchi, que era o prior superior, admirava-se com tamanha dedicação. Havia uma missa as 6:00 da manhã de domingo e lá estava colaborando com a santa igreja e que intimamente possuia a suplica "oculta" de um pedido de socorro. Queria ser feliz. Não ser mais renegado pelas ausências de mãe e pai em minha vida. Aos poucos, em minha mente, fui "descobrindo" que Deus não agia, tal como nos filmes (assistia a exaustão filmes com estes temas) e que os "milagres" não passavam de efeitos especiais deslumbrantes. Culminou com a decepção final de que Deus realmente "não existia" e que não passava de um grande engodo para coletar seguidores e lucros pecuniários para os divulgadores.

Igual a você, me afastei e por muito tempo não percebi que o maior lucro da crença não está no "Deus existe?" e sim na luz que a crença traz independente da existência ou não.

Naqueles early times havia um brilho, uma luz em mim, era como se eu fosse o proprio deus, mas nunca havia percebido. Para falar a franqueza, creio que me despertei com o que vc. escreveu. Deu um baque na minha mente, sabia, inconscientemente mas não sabia descrever, e quando li o que você escreveu parece que acordei para um conhecimento.

Não importa se existe ou não. Importa se dentro de mim habita uma fé. É a essencia da música do Harrison ‘The inner light’. Peço que continuemos a "destrinchar" esta conversa, já escrevi demais, mas quero continuar, é muito esclarecedora e de certa forma "alimenta" a alma. Grandes abraços, Paulo

P.S.:  É verdade, eu tinha um dente quebrado, por ser invocado demais, não levava desaforos para casa mesmo a custa de um dente partido. De conformidade é que também parti a cara do sujeito, a dele quebrou todo maxilar, precisou ser internado no HC (Hospital das Clinicas). rsrsrs

inside São Gonçalo church looking at the exit door.
Igreja de São Gonçalo, na Pça. João Mendes, em 1947 e nos anos 2000. Leia mais sobre o pe. Inacio Takeuchi em:
Luigi : 13 March 2009.

Tamanho foi meu envolvimento com a liturgia cristã, que até hoje não consigo esquecer "as respostas" que o coroinha fazia em Latim; surpreendia a todos, principalmente os mais carolas. Se te disser que hoje ainda sei "coadjuvar" uma missa nos ritos antigos, vc. acredita?

Suscipiat sacrificium manibus Tui, ad laudem gloriam nomini sui, ad utilitatem quoque nostrum tosiusque eclesiate vostre santum, in nomi di patri et filli et espiritum sanctum.

Era a oração da consagração da hostia, transmutação de mera bolacha em corpo divino. Todos os coroinhas tinham que ler, except me and my monkey. Era motivo de acharem que tinha sido beneficiado pelo espirito santo, que me proporcionou, além da memoria fotográfica, grande saber instintivo.

Pe. Takeuchi, prior da igreja de S.Gonçalo, queria que um dia fosse ajudar uma missa na catedral da Sé, consagração final para um mero coroinha mortal comum.

Quero te dizer com tudo isso, que eu acreditava piamente em todas as coisas que poderiam ser dignas a Deus. No entanto, fui perdendo minha fé de tal maneira, que hoje, após o ‘insight’ revelador que você me proporcionou, não consigo mais.

Existe um mecanismo de defesa interna que impossibilita a crença, a magnitude de crer em algo. Tudo que pertence ao mundo do dogma fica dificil e incongruente a fé em algo mitico e não comprovável. Por isso creio que a gente perde o "tal brilho"; não é tarefa fácil reencontar o caminho do crer resolutamente em algo; ficou um vazio, um oco dentro da gente, que dificilmente será preenchido novamente.

Nunca havia conhecido alguém pessoalmente que tivesse dedicado-se ao auto-flagelo. Quando você falou a respeito disso fiquei bem surpreso. É uma forma de "divinizar-se"? Estar proximo atraves do martirio de Deus?

Isto que não entra em minha cabeça. Como pode o divino exigir sacrifícios físicos que invariavelmente vão a penitencia mental inclusive? Como podemos acreditar num ser superior que "induz" a sacrifícios deste tipo? Me fale mais destes flagelos que você buscava, e aonde você pretendia chegar com este martírio?

Vou ficando por aqui,  Abraços, Paulo.

Dearest Paulo, 14 MAR 2009.

22 anos anos da morte de meu Pai.

Fiquei realmente impressionado com seu conhecimento de Latim. Era por isso que você, realmente, brilhava em vários ambientes quando eu te conheci, fora lugares que eu nem sabia, e que me contaram.

Aí vai a explicação: eu acho que, uma vez, o Fernando me disse que tinha estado num lugar onde só tinham alunos do Clássico & Cientifico do Max, e de alguma maneira, Você esta lá, como ele próprio.

Bem, só sei que a única coisa que me lembro do relato do Fernando, é que você discorreu sobre a música de Peter, Paul & Mary, que os caras gostavam, e que v., de certa maneira, brilhou. É esse tipo de coisa, que as pessoas prestam atenção.

Eu nunca me esqueço quando a professora de História falou com você em Inglês, e você respondeu, e houve réplica e tréplica, e daí, uma pequena conversação. A sala inteira ficou muda... dava para ouvir uma agulha cair no chão. Eu, que já sabia de seu brilhantismo, embora nunca tivesse ouvido você dialogando com alguém, fiquei percebendo a reação do grupo.

Luigi:

Quanto a professora de historia a Ledercy, pintou creio eu (posso estar enganado) algumas vezes situações "estranhas", não tenho muita certeza (pois tudo era muito novo naquela época), certa vez em horário de recreio, ela me parou no corredor e me disse coisas estranhas, tipo que eu era bonito e que tinha um jeito de ser de "milionário". Hoje olhando este episodio com o crivo de adulto, penso que poderia haver alguma insinuação mais abrangente e que eu, no auge de minha inocência, não agi como se deveria "atuar'.

Certa vez um psiquiatra Dr. Hugo Cañete, que cuidou de mim após o falecimento de meu filho, me disse que a grande tragedia de minha vida, foi ter ficado "sem alguém" para orientar minha emotividade, um lastro de segurança na adolescência, pois se isto tivesse ocorrido, na opinião dele eu teria "surgido".

Até hoje não compreendo bem o que seria o ter "surgido", mas naquela época (da terapia) me fez acreditar de que o principal seria "doutrinar" minhas erupções de personalidade. Hoje, 14 anos após estas sessões, você me diz em outras palavras exemplos daquilo que me acompanharam a vida toda e eu não havia percebido.

Sim, me lembro o Fernando é pisciano. O mais sensivel da familia Amorim. Tornava-se até estranho em dados momentos, quando ia de um extremo ao outro, e as pessoas, inclusive eu, não compreendia tal arroubo.

Houve uma passagem, que me recordo do Fernando, que passados 41 anos não consigo esquecer. Ele havia recebido um dinheiro com pesquisas de mercado. E eu estava (para variar) com todos os problemas de um sem-teto, descamisado, dessapatado etc. Para falar a verdade, naquela semana, morando em pensão em 1968, creio que não havia sequer me alimentado direito - havia dias que passava a base de pão-com-mortadela, pão-com-banana, pão-com-tomate, esse tipo.

Quando cheguei na rua Simpatia a sua procura, o Fernando me falou, “vamos num restaurante japonês!”, eu respondi que só se fosse para lavar a louça, pois não tinha um vintém. Ele começou daquele jeito bem característico, “Vamos, vamos, vamos”. Não se preocupasse com a conta. Nossa senhora de todas dores, para um esfomeado, é o mesmo que oferecer picanha para um vira-lata; Sei te dizer que o restaurante, atras do Largo de Pinheiros, recebeu um nissei que parecia ter voltado da guerra.

Fazia tempo que não via iguarias daquele tipo e me parece que o Fernando estava "paquerando" ir num restaurante japonês, aquele principalmente, fazia tempo, e eu fui o feliz contemplado daquela incursão do Fernando. Acho que ele se sentia mais seguro tendo um nipônico como companhia. E eu tive a felicidade de quase ganhar na mega-sena-acumulada, pois a fome era tamanha que a comparação seria esta.

Passamos algumas horas agradabilíssimas, onde expliquei algumas características da gastronomia japonesa. O Fernando era um grande ouvinte. Fico por aqui, tudo isto me faz acreditar de que vivemos uma grande época... Abraços, Paulo.

Dear Paulo

“PS: como assim ? que eu brilhava em ambientes que vc. desconhecia , e depois ficou sabendo, fiquei curioso com esta afirmação.”

Aí vai a explicação: eu acho que, uma vez, o Fernando me disse que tinha estado num lugar onde só tinham alunos do Clássico & Cientifico do Max, e de alguma maneira, Você esta lá, como ele próprio.

Bem, só sei que a única coisa que me lembro do relato do Fernado, é que você discorreu sobre a música de Peter, Paul & Mary, que os caras gostavam, e que v., de certa maneira, brilhou. É esse tipo de coisa, que as pessoas prestam atenção.

Eu nunca me esqueço qdo. a professora de História falou com você em Inglês, e você respondeu, e houve réplica e tréplica, e daí, uma pequena conversação. A sala inteira ficou muda... dava para ouvir uma agulha cair no chão. Eu, que já sabia de seu brilhantismo, embora nunca tivesse ouvido você dialogando com alguém, fiquei percebendo a reação do grupo.

Oi Paulo,

Eu sempre gosto de saber coisas daquele tempo [anos 1960]... parece que a gente vivia em plena mágica. Lógico que com o passar do tempo, a gente tem a tendência de ‘romantizar’ a coisa mais do que ela, na verdade, foi.

É, o Fernando é assim até hoje. Ele é bem generoso. É interessante que eu me lembro tão bem da cara da Ledercy, mas não me lembrava do nome de jeito nenhum. Me lembro de uma outra professora de História, que tive desde os tempos do Ginásio Vila Madalena [1961]... se chamava Yvone, e morava na rua Morato Coelho. Ela tinha um ‘bordão’... algo que ela repetia ‘ad nauseum’, que era, ‘se por ventura’... D. João VI etc.... ‘se por ventura’...

É gozado como certas coisas ficam na mente da gente p’ro resto da vida... Lú.

Luigi: 1st April 2009.

Engraçado a tua referência da Yvone, professora de historia. Não sei se você sabia, mas a Yvone foi professora de Historia no Max, onde foi minha professora 1964/65. E ficou como exemplo de "corruptora" de aluno.

Namorou com o Marcio, um rapaz de 18 anos, aluno do 1º ano do clássico, e todos olhavam estupefatos o Marcio sair de mãozinha dada com a Ivone pela rua Jericó.

Como o assunto era a Ledercy e talvez a insinuação que existia, vc. tocou em outra pessoa que assumiu um namoro com uma pessoa, no mínimo metade da idade, e Yvone tornou-se para a turma da manhã, motivo de chacota, pois realmente possuía este bordão do D. João.

Também concordo: os anos 60 foram de uma magia extraordinária, quem viveu esta época, com certeza, é mais completo que as outras gerações, embora as outras gerações nunca irão compreender esta assertiva. Foram tempos dourados e mágicos...

Um abraço dos anos 60, Paulo.

Oi Paulo, 1st April 2009.

Espero que v. consiga tratamento com o dr. Constantin. Ontem estive no sítio de um amigo de 30 anos [o conheci em 1979]... ele tem o HIV, e como é muito errático em sua rotina, ele sempre está com problemas de saúde. Ele teve uma convulsão cerebral, ficou desacordado mais de 24 horas, foi internado urgente no Emilio Ribas e tomou muito soro etc. Agora já está ‘bem’ novamente.

Te juro que não sabia, ou pelo menos não me lembrava desse famoso caso romântico entre Yvone & seu aluno de 18 anos. Pelo menos ele já era‘maior de idade’, pois senão seria um ‘caso de polícia’. Agora q v.citou o caso, eu me lembro muito vagamente que aconteceu ‘algo’ com a d. Yvone, mas não me lembrava o que era.

A Yvone tinha uma irmã bem mais velha [tinha cabelos brancos], que era professora de português. Acho que se chamava Augusta e era portuguesa [ou filha]. Ela não chegou a ser minha professora, mas os alunos falavam dela porque ela tinha ‘pernas peludas’.

Sabe porque eu não me lembro direito desse ‘caso’ da Yvone? É que eu estudava no Max de noite. Eu só estudei de manhã em 1963, que foi o ano da Inauguração do colégio.

Foi um ano horrível, pois tive que fazer ‘educação física’[pela 1ª. vez em minha vida escolar], e o ‘professor’, logicamente notou meu ‘jeito’ e falou alguma coisa publicamente, o que me fez ficar com mais ódio ainda... dele e de todos. Não sei se foi esse ano o João Miguel caiu na minha classe. Eu estava na 2ª. série, mas eu era mais atrasado em relação aos outros meninos, pois sempre fui muito ruim em Matemática, o que já me ‘tirava do páreo’ entre os ‘bonitinhos’ da classe.

Assim mesmo eu me lembro de um menino chamado Ivan, que eu gostava. Ele era ‘riquinho’. ‘Riquinho’, para mim, eram quase todos que estudavam de dia. Esse Ivan, depois eu descobri, morava no Centro; o pai dele tinha um bar na Avenida São João, entre a Ipiranga e aquela rua que tinha o Museu do Disco – Dom José de Barros – e o Ivan ficava no caixa [as vezes tb. fazia aqueles sandwiches ‘gregos’ onde cortam a carne que fica virando e põe num pãozinho. O Ivan sentava-se na fileira perto das janelas, atrás de um menino chamado Aurélio, um menino bem delicado.

O Ivan sempre olhava p’ra mim e sorria... mas eu era o mais ‘trouxa’ de todos. Achava que ‘essas coisas’ não existiam, que só eu é que fantasiava... depois que cresci, eu vi que o único que não ‘fazia’ era o mais bobo de todos: eu! 

Eu frequentava o Centro porque gostava de cinema, e ia ao Centro quase todo final de semana, coisa rara entre os meninos da Vila Madalena, que, no máximo, iam ao cine Goiáz ou Brasil... mais o cine Jardim [só passava filmes da Metro] e alguns anos depois, o Cine Fiametta, que tinha um nome horrível. 

Sabe que mesmo depois que eu cresci, eu ainda via o tal do Ivan naquele bar! Só que o Ivan começou a ficar mais feio, já que eu o achava o maior ‘gatinho’, na época. Depois, o Centro de São Paulo se deteriorou de uma maneira assustadora, e hoje é triste passar por aqueles lugares e sentir o cheiro de mijo e merda... uma verdadeira Gomorra – depois da destruição.

Mas a lembrança do Ivan tenho até hoje. Você, por acaso não o conheceu, né? Isso foi em 1963. Daí chegou 1964 e eu voltei a estudar no período da Noite e perdi contacto com os meninos da manhã. Eu gostava muito mais da Noite, pois não havia a famigerada ‘educação física’, nem seria eu abusado por um idiota qualquer. Ser abusado por colegas da mesma idade já é ruim, agora imaginou ser abusado por adulto? É o fim da picada.

Meu Deus, se continuar assim vou escrever minhas memórias todas... Abração com gosto de Max, Lu.

Luigi: 5 April 2009.

Cada vez me convenço de que num mapa existencial, a gente estava destinado a se conhecer.

Você. falou do Ivan e fiquei estarrecido. O Ivan foi meu grande amigo, desses de conviver a casa de um e de outro. Nossa amizade começou em 1964, quando estudava no Max e estava "exilado" na rua Sta. Luzia.

Pegávamos o onibus ‘Praça da Republica’, da Viação Santa Cecília, todos os dias, pois ele ia trabalhar no restaurante Sagres, e eu ia para casa. Aos poucos nasceu uma grande amizade; costumávamos ir aos cines das redondezas, pois ele gostava dos mesmos filmes que eu, que eram filmes de mitologia grega, onde proliferavam Hercules, Maciste, Ursus, etc. Havia um filme, que chegamos assistir umas 5 vezes, pois era uma cena de nudismo da atriz Jacqueline Sassard, no filme "Os filhos do trovão" (Arrivano i titani), com o Giuliano Gemma, na época que era um desconhecido e utilizava o nome de Montgomery Wood (mais pomposo e chamativo).
E essa cena era antológica para nós, moleques; por alguns segundos a deliciosa Jacqueline aparecia com seu traseiro branco nas telas, ousadíssimo, para os padrões da época (não sei nem como era proibido para apenas 14 anos). Aquela cena povoava grande parte das punhetas dos moleques.
Jacqueline Sussard em trapos em 'Os filhos do trovão'.

O Ivan, morava, na época nos Campos Eliseos, perto do jornal ‘Folha de S.Paulo’ (se lembra do jornal???). E "seu" Antunes, como gostava de ser chamado o pai do Ivan, não gostava de certas amizades do Ivan. Até que eu tinha um certo acesso à intimidade deles, por ser japonês, e ele achava que minha companhia não seria perniciosa ao filho. Ivan tinha responsabilidades demais para um rapaz de 16 anos (era quase dois anos mais velho que eu), e por conta de problemas familiares, o pai foi carregando nas responsas.

Havia uma irmã do Ivan, a Dulce, que era uma existencialista, tipo beatnik, vivia sempre fora das ondas cerebrais das pessoas; uma desvirtuada, como dizia seu Antunes. A mãe era o estereotipo da dona de casa, e seu Antunes era dono de dois restaurante, um é esse que você mencionou na São João, e o outro era próximo à Rodoviária, e por isso o Ivan vivia "carregado" pelo trabalho das 13 as 19-20 hs no restaurante.

A gente saía sempre depois dos expedientes dele, ou aos sábados, pois a partir das 13 ele estava livre.

Nossa amizade foi interrompida quando conheci o Aloisio e a banda dele. Foi dificil conciliar uma amizade do centro com uma banda da Vila Beatriz, e eu, morando também na vila Madalena, depois na Theodoro Sampaio; e acabamos nos afastando. Mas foi uma amizade marcante em minha vida.

Acho que me alonguei demais. Abraço também com gosto de Maximilano, Paulo.

Dearest Paulo, 6 April 2009.

Olha que coisa mais intensa!!! Eu li seu relato como se fosse escrito com tinta de ouro sobre uma superfície de prata. Ou para usar outra metáfora, parece que eu peguei uma ‘carona’ numa ‘nave do tempo’ e fui até a rua Jericó, em inícios de 1964, para pegar o ônibus Praça da República com você e o Ivan. Por falar nesse ônibus, eu não me lembro do Ponto Final dele na Praça. Seria em frente ao Cine República?

Que coisa mais maravilhosa o que v. me contou. Ivan Antunes Siqueira. Eu nunca me lembraria do nome inteiro dele. A única coisa que me lembrava era Ivan. Aliás, eu sempre gostei desse nome, não sei se por causa dele ou já gostava antes. Depois quando passou um festival-de-cinema russo que tinha ‘Ivan, o terrível’, é que percebi que era um nome russo.

Se o Ivan tinha 16 anos em 1964 [eu tinha 15], isso quer dizer que ele deve ter nascido em 1948. Ele já estava ‘atrasado’ - como eu também já estava bem atrasado na minha vida acadêmica. Suponho que o Ivan tenha vindo estudar no Max, pois provavelmente já tinha sido ‘jubilado’ em outras ‘paragens’ mais próximas do Centro. Aquela região da Vila Madalena era considerada ‘lugar de índio’. Antes de construírem o Max, ali haviam uns barracos onde morava um famoso ‘bandido’ chamado ‘Cara-de-cavalo’.

Nossa que legal!! Eu sempre quis saber da vida do Ivan, e isso acontece depois de 40 anos. Eu achava que ele trabalhava para algum parente naquele restaurante-bar, mas nunca siquer parei ali para conversar com ele, pois, apesar do Ivan não ser igual aos outros garotos [babacas], eu mantinha uma certa distancia, que eu creio fosse parte da minha timidez em relação à  objetos-de-desejo. E o Ivan era objeto-de-desejo duas vezes; 1º. por ser atraente, e 2º. por ser ‘riquinho’ [na minha concepção interiorana, logicamente]. Eu passava na São João, e quando ele estava virado p’ro lado da rua, ele sempre me acenava. Era um cara muito bacana, além de extremamente charmoso – bem, eu sou suspeito para falar dele, pois era ‘fã’ incondicional.

Veja que sua amizade com o Ivan começou justamente quando a ‘nossa’ terminou. Não que tivesse havido amizade entre Ivan e eu... só olhares de simpatia. Em 1964 eu voltei p’ro período noturno, para cursar a [maldita] 2ª. série novamente. O Ivan deve ter passado para a 3ª. em 1964; para a 4ª. serie em 1965 e concluído o Curso Ginasial, para começar o Científico ou Clássico no ano de 1966, quando os Beatles lançavam ‘Revolver’.

Mas voltando ao querido Ivan, se o pai dele ‘não gostava de certas amizades’ é que, como eu supus, o Ivan devia ter amigos que o faziam ‘repetir de ano’ e coisas assim. O Max nos primeiros anos, era conhecido como ‘colégio de jubilados’, ou seja, toda a ‘escória’ das várias escolas de São Paulo era toda ‘despejada’ na rua Jericó.

Inclusive meu irmão Fernando estava ali nesse ‘grupo seleto’. Ele já tinha sido ‘jubilado’ do Marina Cintra, da rua da Consolação, e não podia mais freqüentar escola estadual, mas como o Max inaugurou em 1963, com centenas de vagas-não-preenchidas pela população local, foi a salvação de muitos ‘relapsos’ de toda a Zona Oeste.

Gozado, que depois de muitos anos, na Argentina, eu fiquei sabendo que ‘jubilado’ lá, é ‘aposentado’ aqui. Não é engraçado?

Em 1963, Aurélio sentava-se na 1a. carteira do lado da janela, logo atrás era o Ivan. Em 1967, no noturno, a Fátima sentava-se na mesma posição. Pensando bem, embora nunca tenham se encontrado, Aurélio & Fátima tinham muito a ver. Ambos eram ótimos alunos e sentavam-se na mesma carteira. A diferença é que em 1967, eu me sentava numa carteira perto da janela também, quatro lugares atrás da Fátima. Não é gozado as razões que levam alunos a escolherem lugares numa sala de aula para passarem o ano inteirinho na mesma posição?

Em 1963 eu me sentava na segunda carteira da segunda fileira de quem entra na classe... bem longe do Ivan. Na verdade, bem que queria sentar-me perto dele, mas sendo Touro, sou um signo ‘imóvel’. Gozado que nunca sentei-me nem na primeira carteira, nem na ultima.

Um super abraço afetuoso, Lu

Cine República na inauguração em 1954. 
Luigi:  13 Abril 2009.

Muitas questões. Não sabia que seu interesse por Ivan extrapolava um desejo ocorrido. Fiquei embasbacado em saber que tinha sido amigo de um interesse (mesmo que camuflado) seu. Mas vamos lá.

Ivan tinha uma paquera, que morava no mesmo prédio, mas creio nunca chegou a concretizar. Creio que o nome dela era Monica. Para falar a verdade, era muita areia para o caminhãozinho do Ivan. Devia ter seus 18 anos, e e era o protótipo da garota de Ipanema. Gostozérrima, bundão empinado, por onde passava, comentários aflitos de punheteiros de plantão se ouvia.

Falava muito de perto com as pessoas, olhando fixo, que dependendo do interesse, cozinhava sonhos impublicáveis achando que ela estava dando bola, no entanto era o jeito de ser e enganava a todos. Até seu Antunes com certeza regurgitava delírios eróticos inconfessáveis, pois vi dirigir seu olhar por diversas vezes a soberba bunda que ostentava nossa linda donzela (se era ou não jamais saberei).

Havia uma garota mais estrebuchada dos Campos Eliseos, se minha memoria não me deixa enganar, chamada Patricia que vivia no Sagres atentando o Ivan, ele dizia que andava comendo-a. Acredito que sim, pois a intimidade que os dois demonstravam era peculiar de quem desfrutara uma cama. Eram íntimos demais para serem apenas amigos. Mas sentimentalmente Ivan, sinceramente não gostava dela.

Vivia pelos corredores a espera da Monica, que simplesmente o ignorava. Em nossas brincadeiras de adolescente vivia perguntando, se já tinha batido uma punheta pela Monica naquele dia. Ele simplesmente gargalhava e dizia: SIM, no banheiro na hora do Banho imaginara a Monica pelada a dispor do nosso punheteiro.

Credo, são confidencias intimas demais. Não acha? Estou extrapolando muito a confiança de uma amizade? Mas já que virei um fofoqueiro de plantão.

A mãe de Ivan chamava-se dona Maria do Rosario, era uma senhora protótipo da dona de casa. Vivia 24 horas do dia cuidando do lar, ora a limpeza, ora a comida, que muitas vezes era desnecessário pois chegava comida do restaurante da rodoviária. Seu Antunes enviava para casa por diversas vezes o cardápio do dia. Para você imaginar, era parecida com sua mãe dona Yolanda na lida de cuidar de uma família,. O Ivan era o queridinho de dona Maria, preocupava-se ao extremo que seu filhinho estivesse sendo bem cuidado, maternalmente falando. Você me entende, né?

Com o Ivan aprendi de que, segunda era virado a paulista, terça, dobradinha, quarta e sábado feijoada, quinta: massa, sexta: pescados; e assim funcionava os restaurantes e até hoje decorei o indefectível cardápio dos restaurantes de Sampa. É sempre a mesma mesmice.

A ultima vez que vi Ivan foi em 1966; estava um pouco frio comigo, pois havia me afastado dele (não voluntariamente) mas estava tentando ser baixista da banda de rock do Aloisio e não sobrava tempo p’ra visitas; por isso nos afastamos e Ivan de alguma forma estava ressentido comigo.  A amizade se deteriorou e não houve conserto possível.

Em 1976 mais ou menos, me encontrei com o seu Nilo, que era zelador do prédio do Sagres e na ausência de Ivan e cia, me explicou que a família havia ido para Portugal, onde tentariam a vida nas pragas de seu Antunes e dona Maria do Rosario, enfim nunca mais os vi.

Luigi, fico por aqui e posso depois prosseguir na saga de Ivan e cia. Um abraço como nos tempos do Max,  Paulo

Dearest Paulo, 15 Abril 2009.

Yes, those were the days, my friend. We thought they'd never end... we'd sing and dance forever and a day... [adoro a letra dessa musica... e adoro a gravação da Mary Hopkin tb.]

É incrível mesmo essa história toda do Ivan. Até o desenrolar final é totalmente inesperado: “Família muda-se para Portugal.”

Quando uma história ‘normal’ acaba assim? Isso mostra que aquela família era totalmente atípica.

Gostei de saber detalhes sobre a vida sexual do Ivan. Imagina, que um dia eu iria saber essas coisas? Não sabia nem o nome completo dele.

Todo mundo gosta de saber da intimidade dos outros... isso é próprio do ser humano, um bicho altamente sociável e imitativo.

Você diz que a ultima vez que viu o Ivan foi em 1966. Ele sabia que você era ‘beatlemaníaco’? Vocês chegaram a conversar sobre música? Ele tinha algum interesse musical? Ou nenhum? Os portugueses nunca se destacaram pelo seu gosto musical.

Eu continuo batendo na mesma tecla. Achava esquisitíssimo o Ivan, tão gatinho, ficar naquele serviço. Mas você já explicou a dinâmica de tal ter acontecido: Ivan ‘pisa na bola’ e só repete de ano, e o pai resolve castigá-lo mandando-o trabalhar no restaurante.

Pensando bem, eu acho que o Ivan tinha uma certa ‘vergonha’ de estar ali. Mas ao mesmo tempo ele nunca fez nada para mudar a situação. E me lembro que, mais p’ro final dos anos ’60, ele estava começando a ficar gordo... Eu acho que as pessoas engordam, geralmente, por causa de insatisfação com o rumo de suas vidas. A maioria engorda por pura frustração de não poder fazer o que [originalmente] planejaram ou eram seus sonhos.

Você se lembra se o Ivan tinha um dente quebrado? Ou será que eu já estou ‘inventando’? Eu achava ele bem bonitinho... eu sendo Touro, com Vênus em algum lugar, sempre ‘caio’ pela beleza. Ele seria o que hoje se chama de ‘gato’. Era só ele ter se cuidado um pouco mais e ele ‘abafaria’. Mas agora que v. me explicou toda a questão familiar, creio que Ivan foi ‘consumido’ pela própria família.  Lu.

antigo Cine Ritz, na Avenida São João, entre a rua Dom José de Barros e Avenida Ipiranga; foi demolido e em seu lugar apareceu o Cine Rivoli; o bar-restaurante de seu Antunes era na esquina da São João com a Dom José, desse mesmo lado da Avenida.

Luigi :  22 April 2009.

Quantas indagações !!!! Não imaginava que aquele meu amigo Ivan pudesse render tantas elocubrações.rsrsrsr. Mas vamos lá:

Primeiramente, vc está fazendo confusão;  vc. quer saber onde o Ivan morava, o Edificio Sagres que vc. se refere  seria o Edificio Thudor que o Ivan residia com a familia, perto da Folha de S.Paulo, era na Alameda Glete, 1159.

Quando começaram as obras do teu querido prefeito Maluf, foram desapropriados, e parece que o dinheiro desta faraônica obra colaborou com a ida deles para Portugal. Não sei ao certo, mas parece que este dinheiro engrossou o caldo do seu Antunes.

Você se lembra quando v. trabalhou na Folha de S. Paulo, havia umas figuras "colegas de trabalho" bem estranhos, tipo um que gostava do Tom Jones? Um que dançava e coreografava a exemplo do artista famoso, e que executava esses passinhos? Vc. se lembra?

O Ivan não tinha dente quebrado. O único que possuía este troféu era este seu amigo, que era um "bad boy".

Sim ele sabia que eu era beatlemaniaco, inclusive gostava de algumas coisas Beatles também, tipo ‘Twist & shout’, que vivia fingindo que cantava, acho que gostava do clima que a música criava.

Outra música que o Ivan vivia "imitando" cantar era ‘Amore scusami’, do John Foster; chegava a me irritar quando começava a cantar e a gesticular arremedando esta musica.

Até a Rita Pavone ele arremedava fazendo os tikan, tikan do ‘Datemi un martello’. Na realidade, quando seu Antunes dava as ordens para a realidade, de repente o Ivan começava, com os tikan, tikan, e eu ficava muito surpreso com estas digressões. Ele morria de rir, tudo  escondido do seu Antunes.

Não, ele não tinha vergonha de viver como você diz de ser meio que "bahiano", afinal ganhava um bom dinheiro, coisa rara para o jovem daquela época; vivia confortável; por isso creio que uma coisa compensava a outra.

8 de junho era o aniversário de Ivan geminiano, dualidade era seu lema. Versátil, sabia atender um "pinguço" no balcão, ao mesmo tempo que levava seu Antunes no bico.

Tempos longínquos, afinal passaram se 43/44 anos destes tempos. Eu era feliz e não sabia; época de tantas irresponsabilidades. Espero que tenha respondido a maioria das suas indagações. Demorado abraço com gosto de V. Madalena, Paulo.

dearest Paulo,    24 April 2009.

puxa vida, você é realmente uma sumidade! Você deveria ter sido jornalista, pois é preciso no relatar de fatos. V. cita, além do nome do edifício e da alameda, o número também. Isso é raríssimo em nosso país. Nosso jornalismo é paupérrimo. Posso afirmar isso de cadeira, pois sou leitor inveterado de jornais de vários países... e o jornalismo Latino é uma lástima. O brasileiro é ‘pitful’, para se usar um anglicismo. Mas o jornalismo italiano é paupérrimo também... muito adjetivo [‘eu acho’...] e pouco substantivo [facto real].

Acho que o quesito: Ivan foi completado com essa sua ultima viagem ao passado. Geminiano!  Tem tudo a ver! Faz sentido total. Ah, como eu gostaria que existisse uma máquina do tempo... mas isso é pura fantasia, pois o tempo é uma ilusão. Ainda bem que tudo continua na nossa mente de uma maneira tão indelével, até, logicamente a hora da muerte... mas quem está pensando nessa hora?

‘Amore scusami’, com John Foster, foi o primeiro compacto-simples que eu comprei. Me lembro da data direitinho: 5 de Janeiro de 1965, data do aniversario do Osvaldo (12 anos).

Sim, logico que eu me lembro da (fuleira) ‘Folha de S. Paulo’... êta jornaléco vagabundo. Tudo na Folha era de segunda ou terceira categoria. Tudo de uma pobreza imensa... os Frias compravam todos os jornais [Cidade de Santos, Ultima Hora, Notícias Populares etc], mas pagavam uma miséria aos funcionários. Os escritórios eram velhos e sujos, o refeitório parecia uma sala do IML, um nôjo! Levei marmita somente um dia, e quase vomitei qdo. entrei na pocilga que era o ‘refeitório’, com um fogareiro aceso em baixo de uma ‘piscina’ de alumínio com água morna gosmenta, que os funcionários deixavam suas respectivas marmitas de alumínio para ‘ir esquentando’ naquele banho-maria infernal até a hora deles voltarem para ingerir o conteúdo.  As mesas não tinham toalhas... parecia aqueles funerais que já levaram o caixão e ficou um pouquinho de areia e fuligem em cima.

Nunca me senti tão humilhado de pertencer a um grupo como aquele dia. Voltei a pegar o Vila Madalena e ir almoçar em casa em 5 minutos e pegar o ônibus de volta.

Sim, esse rapaz que v. se refere se chamava Reinaldo. Ele tinha a ‘língua presa’ [igual ao Lula] e era meio alto, peludo, bem másculo [pelo menos na aparência], só que ele era gay.  Ele tinha caído na mesma classe ginasial que o Osvaldo, numa escola lá na rua do Sumidoro, ou algum ginásio pelas bandas de lá. Eu tinha me esquecido que ele ‘imitava’ o Tom Jones. Ele até meio que ‘parecia’ um pouco com o galês (Welsh) cantor de ‘It’s not unusual’ (to be loved by anyone...).

A Folha era uma pocilga... que jornal mais vagabundo. Depois, em 1974-1975 eu trabalhei no outro jornalão, o ‘Estado de S.Paulo’, na rua Major Quedinho, embora eu trabalhasse no balcão-de-anúncios do Jumbo-Aeroporto e depois em Santo Amaro. O Estadão, embora eu não concorde com sua linha ideológica, era muito superior à Folha. Tudo direitinho lá, além do salário ser o dobro da merda folhal. Só que os colegas já eram um pouquinho mais ‘upper class’ e menos divertidos que a ‘rubble’ (ralé) da Folha.
Abraço com muito amor & afeição. Lú

P.S.: Ah, o Nino não gostava de você nem ‘pintado de ouro’ (hoje só estou me lembrando dos inúmeros provérbios e ditados populares que minha Mãe repetia constantemente).
Luigi :   2 May 2009.

Agradeço suas palavras de elogio com relação a detalhes tipo números e locais, mas creio que já faz parte da minha personalidade, gravar estes detalhes; é como se nestes detalhes vivenciassem a pessoa que a gente "homenageia" em nossas idas ao passado. Por exemplo, não consigo esquecer jamais que a Simpatia 103, é parte de voc|ê, e para mim torna-se importante, assim como a Fatima era do 41, e parece que assim a gente consegue formar um mosaico das personagens de um passado.

Sim, sabia que o Nino não gostava de mim. Qualquer um poderia perceber a forma sempre desrespeitosa que me tratava. Hoje compreendo que a ação dele era porque eu era o ultimo ‘piece de resistance’ da SUA não dominação. Quando você estava perto de mim e dele, havia um embate psicológico. E sempre havia um resquício da sua parte de "não se entregar" as ilações de Nino, o que numa análise sugere a tremenda luta interna que vc devia de passar naqueles momentos.

Enfim tudo isto foi parte integrante de um script onde cada um, à sua maneira, aprendeu a se posicionar diante de um mundo naquele momento jovem e misterioso. Onde movimentos foram preenchidos e serviu de escola como cada coisa nesta vida.

Você falou do Visgovino. E na minha mente. Uma das pessoas mais exóticas que tive oportunidade de conhecer pessoalmente foi o Visgovino.

Embora minha relação com ele era apenas de trocas de cumprimento. Este era a figura digna de pertencer a um delírio de Fellini. Era personagem digna de 'Satyricon', parece que Visgovino fora criado entre taças de vinhos nos delirios Fellinianos.

Existem os pássaros canoros, e Visgovino era um ser canoro. Trilava com exuberância e arrancava todos os tipos de pensamento. Depois das suas confissões, fiquei imaginando que cena seria , algo que nem o mestre Fellini imaginaria. Visgovino gozando sexualmente e trilando assobios de regozijo. Seria cena de Oscar. And Oscar goes to Visgovino...

Que loucura...

Quando criei esta imaginação, comecei a rir, sem conseguir parar, pois esta cena é digna dos maiores trabalhos de cineasta laureado e premiado.

Outra figura estranha que conheci foi a Fatima. Compreendo todo fundo de cena, os ingredientes que fizeram e criaram esta estranha pessoa, filha de mecânico , produto de ‘working class hero’, onde mulher gostosa são todas, menos a filha da gente, e por precaução procura-se afastar de todos os perigos (sexuais) para não ficarmos mal falados.

E Estevan (pai) era o estereotipo do mecânico. Casada com a "camarada" Olga egressos dos filmes Polska modernos.

Em 1987, tive oportunidade de concluir o romance de 1967, e mais íntimos, conheci as ideias da Fatima. Estranhíssimas e enroscadas em ideias totalmente mal resolvidas. Foi um duro golpe que levei, pois a ideia inicial que tinha não chegava nem perto. Creio que nem Polanski com sua "Repulsa ao sexo" era capaz de produzir tamanhas encucações e elocubrações mentais/sexuais.

Vou mandar assim mesmo, pois na verdade, já está pronto há uns dois/tres dias e não progrido com ideias. Um grande abraço, Paulo.

Luigi:  28 May 2009.

De Volta a Vida Novamente, Felizmente!!!


Você deve ter estranhado, mas faz dois dias que deixei o hospital, onde, desta vez, pensei em ir desta para uma melhor(?) ou pior(?).

Logo após o domingo do dia das mães, quase em coma, me internaram as pressas, com pneumonia e anemia profunda novamente; tudo por conta do velho heart que não funciona tão bem como outrora. Fiquei 5 dias na UTI e depois mais 13 dias num apartamento só ingerindo drogas para conseguir voltar do Hades e regressar ao Erebo.


Recebi transfusão de sangue de duas em duas horas; antibiótico (para derrubar a pneumonia) e muita vitamina, via endovenosa p’ra tentar reverter a anemia que está em mim.

Enfim, me botaram em pé, quase tipo zumbi, mas ainda tenho consciência, estou te escrevendo para te dizer estou na área novamente, não sei até quando mas, still yet, I believe in yesterday. Fique numa boa, grande abraço, Paulo.

dearest Paulo, 29 May 2009.

Welcome back to the same old world again!

Eu bem que imaginei que alguma coisa estava acontecendo quando você não respondeu mais.  Ainda bem que você conseguiu superar mais esse obstáculo.

Por incrível que pareça, ontem (antes de ler sua mensagem) eu fui internar um amigo meu no Hospital Emilio Ribas. O caso dele está meio complicado. 

Ele foi diagnosticado positivo HIV em 2003. Ele mora num sítio na região de Nazaré Paulista, eu fui lá com um outro amigo dele e o trouxemos até o Hospital Emilio Ribas. 

O médico do E.R. não estava querendo interná-lo, pois o hospital estava lotado - no Inverno as saúdes todas se debilitam. Depois que já tinha tirado X Ray e estava deitado num divã para tirar sangue, eu e meu amigo Marcelo (dono do carro) saímos de fininho (com a conivência do paciente) e fomos embora. Ele acabou sendo internado no Pronto Socorro, para ficar esperando vaga nos pavilhões comuns.

Enquanto eu e Marcelo íamos para Nazaré, coloquei um CD dos Beatles com todos os ‘singles’.  Cada musica que tocava eu me lembrava de um facto ou de um lugar. ‘Hello good-bye’ me lembra o quartel do CPOR de Santana. ‘Lady Madonna’ me lembra o quartel e também New York. O último single, ‘Let it be’, eu ganhei de presente de aniversário de minha tia Maria Rosa em 18 de Maio de 1970.

Me lembro que então ouvia a parada da Cash Box transmitida pela Radio Excelsior aos domingo de tarde. Tocavam as 25 mais vendidas da semana nos EEUU. A maioria das musicas a gente não conhecia pois nem lançados aqui eram. Quando chegava nos primeiros postos a chance de se conhecer era maior.

No final de Março 1970, ‘Bridge over troubled water’ de Simon & Garfunkel já estava em 1º lugar há 5 semanas, quando ‘Let it be’ chegou ao 2º lugar. Como eu não conhecia bem nenhuma delas eu chegava a confundi-las, pois ambas começam com solos de piano. No dia 11 de Abril de 1970, ‘Let it be’ finalmente chegou ao 1º lugar, ficando lá duas semanas.

Olha só a parada da Billboard no dia 4 Abril 1970:

1. Bridge over troubled water                 Simon & Garfunkel

2. Let it be                                           Beatles

3. Instant Karma (We all shine on)         John Lennon

4. ABC                                                Jackson Five

5. Love grows (where my Rosemary goes) Edison Lighthouse



6. Spirit in the sky                                 Norman Greenbaum

7. He ain’t heavy, he’s my brother           Hollies

8. Evil ways                                          Santana

9. Come and get it                                 Badfinger

10. Raindrops keep falling on my head    B.J.Thomas

Paulo, fico contente de poder me comunicar com você novamente. Abraços múltiplos, Luigi.

Luigi:   3 June 2009.

Life goes on, blah.: Retomando nossas conversas:

O pai da Fatima: Estevan é (era?) da Polônia, e a mãe filha de poloneses. Estevan carregava os estigmas e horrores que tinha atravessado com a família durante a segunda guerra. Nascida aos 30 de maio de 1952, é portanto geminiana.

Ela foi parar na night Maximiliano devido as elocubrações mentais que eram peculiar, coisas que hoje em dia diria que "eram manhas" de menininha moça mimada e, apesar de Estevan ser uma fera, o casal acabou fazendo as vontades tipo, ela não conseguia criar e realizar amizades, todas viam nela atitudes tipo "piranhinha" e ela jurava ser inocente, e que era o natural dela.

Por isso ensandecida por criar "péssimos" ambientes e atribuindo sempre a culpa a terceiros foi estudar a noite sob a alegação de que a noite era composta de alunos mais responsáveis, trabalhadores diurnos em busca de aperfeiçoamento noturno e que segundo ela, não ficariam observando, por exemplo, a altura das exuberantes mini-saias que gostava de utilizar mostrando as coxas bem torneadas.

Costumava dizer sempre, como se recitasse um mantra, que vivia na época errada, e que as pessoas não a compreendiam.

Eu era muito inexperiente quando a conheci em termos de experiência com o sexo oposto. E tinha uma ideia totalmente romanceada da figura dela. Todas estas opiniões são embasadas de 1987, quando tive um pequeno namorico com ela e pude, 20 anos depois, completar, compreender o que se passava de verdade no cérebro de Fatima.

De certa maneira foi o fim de um encanto que havia durado 20 longos anos, mas foi muito bom para o meu crescimento já que pude me livrar de paradigmas que havia criado durante a vida e, já maduro emocionalmente, pude enxergar o que adolescente não enxerguei. Após nosso pequeno affair, nos afastamos e nunca mais tive noticias suas...

Por aqui continuo em tratamento intensivo para curar a bronco-pneumonia e o clima de Curitiba não ajuda muito, Por hoje é só, Um grande e fervoroso abraço, Paulo.

Luigi :  10 Jun 2009.

De repente em meio a todo revival que realizamos em nossas cartas , você disse algo que até então não havia percebido ou se havia, não possuía significado "pois v. conhecia as pessoas e já passava a fazer parte das vidas delas."

Esta frase bateu em mim e pude perceber que é uma verdade em minha vida, desde a minha infância, de alguma forma acabava entrando na vida das pessoas sem que houvesse um pedido para isto.

Meu primeiro amigo, quando após o falecimento de meu pai, e fomos (eu e minha mãe) morar com minha tia na Ignácio Pereira da Rocha, chamava-se Sergio Augusto Porto Prado; nós morávamos no nº 172, Sergio morava no 184.

Sergio era neto de Jessica Porto Prado, curadora do Teatro Municipal, intelectualíssima; ficava horas proseando as conversas mais ensandecidas e perturbadoras, na época com 6 /7 anos, não conseguia compreender tudo o que se passava naquela mente admirável, mas tinha ideia de que ali se encontrava uma pessoa brilhante.

Sergio era filho de Maria Teresa, mulher de seus 30 anos, belíssima e desquitada, isto para 1956/1957 era a morte; era o atestado de "não prestar", principalmente porque namorava com o Alvaro, médico veterinário.  O povo todo comentava "as sem-vergonhices" daquela ‘despudora’ e procuravam arrancar informações daquela família através de mim, mas eu já acostumado as tramoias familiares, pois vivia numa família conflitante, era um poço de sigilo, jamais tendo  revelado nada desta ou de outra pessoa.

E assim foi toda minha vida de alguma forma, sem pedir, acabo fazendo parte de uma família e acabo, sei lá, realizando a fantasia de pertencer, nem que seja por alguns instantes a uma família, seus problemas seus conflitos, suas realizações, suas alegrias. Foi outro ‘insight’ que você me proporcionou, por isso vou agradecer, pois este tipo de fato acompanha minha vida toda e nunca havia percebido. A ascendência da Fatima era polonêsa, mas havia uma brincadeira entre Estevan e Olga sobre a origem polaca. Parece que Estevan era polonês  de  origem Russa e Olga divertia-se. Parece que para o pessoal originário destas raças, ser polonês-com-russo é algo assemelhado a ser duplamente burro, imperdoável. A família chorava de tanto rir desta condição de Estevan e eu ficava boiando sem entender.

Hoje compreendo que é algo assemelhado a um filho de baiano nascido em Portugal e criado no Paraguai. Vira motivo de chacota entre os familiares.Era um momento tão intimo e notava o constrangimento que tomava conta de Estevan quando começavam com esta brincadeira.

O Gerard que você se refere tive uma pequena aproximação com ele, sim morava perto do cemitério São Paulo. Em 1966, quando estava nos primórdios da banda com o Aloisio e havia começado a tocar contra-baixo, conheci o Gerard que lutava para aprender a tocar baixo, pois tocava na banda do Gordo, na rua Harmonia, na mesma quadra que o Werbal.

Era uma banda terrível de ruim, a juventude daquela época vivia um verdadeiro boom de ser musico e qualquer um podia tocar, e então, muitas vezes éramos submetidos a som da pior espécie. Não é preconceito, mas tocar com os instrumentos desafinados e não se dar conta, para mim é o começo de uma banda intragável.

Gerard andava com uma franja à la Beatles e seu indefectivel sotaque caipira, o que para o povo já era suficiente para umas boas risadas. Eu costumava chama-lo de inspetor Gerard, homônimo do filme ‘O fugitivo’, que era, na época, grande sucesso, pois a personagem vivida por David Jansen procurava o homem de um-braço-só e era perseguido pelo inspetor Gerard.

Eu vivia na época chamando-o de Inspetor Gerard, e qual era o motivo de tanta perseguição???

Estranho este mundo, é outra personagem que você conheceu e depois fui conhecer. Principalmente porque você era uma pessoa arredia e não se socializava com todos. O Tó era irmão do Walter e da Wilma, considerado a ovelha negra da família, vivia drogado, e quando não conseguia, embebedava-se, razão pela qual era evitado por todos.

Por hoje vou ficar por aqui. Grande abraço saudoso, Paulo.

Lieutenant Philip Gerard as played by actor Barry Morse in TV series 'The Fugitive'. 

Luigi : 24 June 2009.

Surgiram novidades no meu quadro clinico.

Você sabe, eu estava apavorado com a ampla possibilidade de ter de realizar a revascularização através da veia safena ou radial do braço para desentupir três artérias que tenho entupidas em meu coração. Razão pela qual tenho apenas 60% da função cardíaca funcionando. No fundo sabia que a medida que o tempo passasse maior seria a possibilidade de ter de realizar tal cirurgia.

Só de pensar em ter o peito aberto, com o braço esquerdo sendo retirado a veia Radial (minha safena da perna é muito estreita para este fim), com possibilidade de ficar com sequelas no braço esquerdo, tipo, não poder sequer dedilhar um violão, me deixava numa angustia dia após dia, tipo um pesadelo acordado em vida me perseguindo sem trégua.

E para piorar, como sou doente-renal crônico, a possibilidade de dar errado aumentava e muito. Desde agosto de 2008 não conseguia mais pensar de forma clara e objetiva, princípios básicos da vida, tipo, o que eu quero da vida? o que vou fazer no próximo mês, e dai por diante. Tudo terminava no pesadelo: tenho de realizar tal cirurgia. E aí minha mente virava um caleidoscópio de pensamentos macabros e sinistros onde não existe o amanhã.

Agora na crise de pneumonia, meu quadro piorou e durante minha recuperação tive de realizar exames que incluíam tomografias de ultima geração para detectar eventuais pioras no quadro cardíaco, pois se isto ocorresse seria muito próximo do óbito.

Passei 5 dias na UTI e mais 13 dias num apartamento realizando tratamentos intensivos e exames e exames sendo realizados.

Ontem fui ao meu médico cardiologista Dr. Cesar Ducilek (chefe de cardiologia do Hospital S. Vicente onde havia ficado internado). Ao adentrar o consultório, Dr. Ducilek, com o rosto impassível (típico de um médico que não mostra emoções de nenhuma espécie), disse : (vou tentar reproduzir suas palavras)

- Houve mudanças no aspecto das veias entupidas, pois na realidade,  como se trata de um organismo vivo, não é estático e existe uma profunda mudança no quadro. Não sei lhe explicar como, nem sequer posso apontar teorias, mas o entupimento cedeu lugar e hoje é possível a realização de ANGIOPLASTIA.

Na realidade serão necessárias três angioplastias em ocasiões distintas para o desentupimento das artérias.

O que era impossível em agosto do ano passado, tornou-se possível agora com o envio (misterioso) das placas entupidoras para um outro setor de fácil manipulação.

Luigi, quase que desmaiei de tanta euforia e alegria. Não conseguia caber em mim. Você sabe, a Angioplastia consiste em enviar um cateter pela virilha onde se atinge as artérias danificadas inflando uma pequena esfera de aço para normalizar o fluxo sanguíneo. Método não-invasivo e muitíssimo menos perigoso que uma cirurgia. Estou meio que bobo, com o passar do pior pesadelo da minha vida...

A casa de minha tia Keiko era, segundo sua geografia, no primeiro quarteirão, a que vai da rua Fidalga até a rua Fradique Coutinho. Bem na esquina da Ignácio com Fradique havia (até mais ou menos 1980) um terreno baldio (lado direito de quem sobe a Ignácio sentido Pedroso) que mais ou menos em 1980 tornou-se uma revenda de carro (não sei o que é hoje). Ao lado há dois sobrados de três andares, o 184 e o 172, onde morávamos. Portanto a casa de minha tia ficava sendo a penúltima casa da Ignácio antes da Fradique. 

Para os padrões das décadas de 1950 e 1960, era um sobrado luxuoso, pois foi construído em três andares;  parecia um edifício. No solo minha tia tinha a escola-de-ballet; o segundo andar era sala-de-visita e cozinha (o living room) e os dormitórios ficavam no terceiro andar.

A Lourdes em questão, realmente olhava as pessoas de forma enviesada e pior, vivia arremedando as pessoas entre os dentes. Na sala de aula, todo dia aconteciam fatos que mereciam uma "ancora", aluno com aluno, aluno com professor etc., e Lourdes vivia arremedando as pessoas não poupando sequer suas amigas principais a Nicelia e a Wilma. Claro que quase ninguém sabia das perfomances de Lourdes, mas as "vitimas" preferidas desta ancora implacável eram você e a Fatima.

Quando a Fatima falava com o jeitinho de menininha abandonada e carente com a voz quase sumindo, a Lourdes estava imitando a com frases horríveis tipo: Ai queria dar para você e você não quis (que ela imitava com total esmero).

Quando se tratava de você ela imitava o jeito que você segurava o jaleco branco na frente e dizia frases tipo: ninguém me entende. Tudo com boas risadas de quem escutava (principalmente a Nicelia e a Wilma). Por isso o trio vivia na risada e alguns professores, não sei se você vai lembrar, admoestavam o comportamento das três que viviam às risadas.

Pegando o trejeito da Lourdes eu fazia um arremedo da própria e dizia frases que atingiam a ela principalmente. Me lembro que a minha primeira investida de teor sexual e "pesado" ocorreu com ela. Nunca havia pronunciado frases tão fortes perto de uma mulher. Mas certo dia por conta de um arremedo dela contra a Fatima, eu disse algo como: - Tou doida para dar uma foda com um japonêsEla deu muita risada e nos tornamos "cúmplices" desta desfaçatez de ficar arremedando os outros.

Ela era péssima aluna de inglês e passei, aos domingos, mais ou menos 20:00, ir em sua casa para repassarmos as aulas de inglês. Na casa dela, ela se transformava. Se na sala de aula andava com saia abaixo do joelho e, as mini saias da Fatima eram motivos de chacota para ela, em casa ela me recebia em calção masculino (ousadíssimo para a época) e mostrava pernas torneadíssimas que fariam inveja a Fatima.

Ficávamos roçando perna com perna, mãos na perna, brincadeiras pesadas tipo namoradinho. Quando chegou o famigerado momento "ou come ou saí de cima", não aguentei. Virgem como eu era, não iria aguentar uma fêmea ensandecida e louca por sexo. Saí de cena e nunca mais a vi.

Interessantíssima a historia deste Paulo Iabutti, o primeiro miscegenador nipônico. Mas meu pai também era desta turma; logo depois que desembarcou do Japão em 1932, meu pai arrumou uma polonesa e se casou, a origem dos meus irmãos.

Nossa acho que exagerei hoje, se não aguentar ler tudo leia em duas três vezes.

Desculpe. Um forte abraço do
Recuperado Paulo Tyba.

dearest Paulo,  28 June 2009.

primeiro de tudo:  Congratulations on the good news! Que ótimo saber que houve melhora em seu quadro clínico. Ainda bem que v. esperou. ‘Open-heart surgery’ é a ultima coisa que se deve fazer. Espero que essas Angioplastias que v. fará tenham sucesso absoluto.

Tá vendo:  eu não sabia que a Lourdes falava de mim, mas eu tinha o maior medo dela, só de ver o jeito que ela me olhava.

Me lembro que a Lourdes tinha um irmão mais novo, que era o contrario da irmã... meio bobinho! E que a mãe dela também não era ‘flor que se cheirasse’; digo, a Lourdes era 'saidinha' daquele jeito pois tinha (provavelmente) a quem ‘puxar’; a mãe devia ser do tipo encrenqueira; gente de se ficar longe o máximo possível. Elas não tinham alguma coisa a ver com a ‘Tia’ da Cantina?

Eu me lembro vagamente que os professores ralhavam com esse grupinho... mas a coisa que me lembro melhor era meu medo de cair na língua delas... e ser ‘denegrido’ para a plateia masculina, que era o verdadeiro horror meu.

Eu sempre tive problemas com a ‘plateia masculina’, pois sempre havia algum ‘espertinho’ que queria tirar proveito e se engrandecer perante seus ‘peers’ [iguais] fazendo um comentário sobre algum menino que eles achassem que era ‘bichinha’. Por isso, com o tempo, eu fui ficando ‘esperto’ em detectar as várias personalidades de meninos. Os piores eram aqueles que precisavam de ‘aparecer’ perante os outros.

Eram aqueles que eu tinha que ficar bem longe, para não ser ‘bucha de canhão’, pois depois que você ‘caia na boca’ da molecada, não tinha mais jeito... era mudar de período ou escola, para começar tudo de novo.

Eu não me considero a maior vítima de todos, pois vi casos muito piores que o meu. Me lembro de um menino em 1961 ou 1962 (Ginásio lá na rua Morás) que não podia passar no corredor pois a molecada passava a mão na bunda dele... um horror! Não sei o que ele fez para ser tratado assim.  Eu morria de medo que o meu ‘caso’ chegasse naquele ponto de degradação. É por isso que eu procurava ‘não abrir a boca’, pois já sabia que eu ‘dava pinta’ em dois ‘departamentos’: Jeito de falar – sempre foi meu ‘tell-tale’.

Depois do ‘jeito de falar’, vinha o ‘jeito de andar’, que o Luiz Antonio, meu colega de trabalho, vivia a criticar. Ele queria me ensinar a ‘ser homem’ e dizia que eu tinha que mudar meu jeito de andar. Oras bolas, eu nunca soube que existia ‘jeito de andar’. Eu andava pondo um pé em seguida do outro!

O Luiz vivia me infernizando em tudo. Ele tinha um certo complexo de inferioridade em relação a mim, pois o dr. Flávio dizia que eu era ‘inteligente’ (imagino eu), então o Luiz procurava me ‘diminuir’ nessas questões. Só que a gente ficava muito tempo juntos, e sozinhos no laboratório; ele tinha uma libido forte e acabava sentindo tesão... e ficavam aquelas brincadeiras sexuais.

Luiz era uma pedra no meu sapato, mas eu não tinha medo dele, pois, afinal nós éramos colegas de trabalho... Meu medo maior era no Ginásio, onde sempre tive ‘inimigos mortais’ nos vários anos que estudei.

Logo no primeiro dia de aula, antes da fatídica aula-de-leitura (quando aqueles que ainda não me conheciam não sabiam que eu era ‘fruta’) eu ficava de olho aberto para saber quem eu deveria ‘evitar’.

Sempre aparecia um ou dois moleques que eu sabia [que] fariam minha vida difícil. Agora isso chama-se ‘bullying’ e é até usado em português. No Japão, ‘bullying’ faz com que meninos cometam suicídio. Imagino bem como pode ser, sabendo que a sociedade japonesa é super militarista, devido ao tipo de vida que tiveram durante os quase 4 seculos de shogunato.

É, meu amigo, viver em sociedade não é fácil. O bom disso tudo é que, com o tempo, eu aprendi a ‘decifrar’ carácter; saber só de uma olhada quem é ‘bonzinho’ e quem ‘não presta’. ‘Bonzinho’ mesmo eram pouquíssimos.

Você vê que eu tive pouquíssimos amigos entre meus colegas de classe. Você foi o maior de todos. Nunca tive um amigo real em todos meus 7 anos de ginásio, excetuando você. Já comentei aqui sobre ‘colegas’ que tive, mas amigo mesmo, nenhum.  Precisou eu chegar no ultimo ano para achar um: você.

Mas o que interessa é o dia de hoje... e estou feliz de saber que você está com novas chances de melhorar seu quadro clínico. Um abração demorado com muita alegria, Luigi.

Luigi in 2 July 2009.

Marcos era o nome dele, todos chamavam de Marquinhos. Gato e sapato da Lourdes, irmão caçula. Vivia sob o jugo da irmã dominadora. Sim, a ‘tia’ da cantina era tia da Lourdes, fazia parte das "maloqueiras" da Vila.

Interessante sua colocação a respeito dos "amiguinhos". Tive muitos "amigos" entre aspas mesmo e fui me tornando meio que intimo de quase todos eles, sabia (na época não sabia) de suas necessidades e vontades. As vezes olho para trás e vejo tanta gente que convivi e tive alguns momentos. Mas também devo de te confessar, você é especial. Parece que nossas almas se encontravam em algum lugar que não sei te explicar.

Me lembro que certa vez fomos ao planetário no Ibirapuera a noite. "Cabulamos" as aulas naquela noite, como se dizia naquela época. Frustração, pois o planetário estava fechado, houve uma reformulação de horários e naquela noite não haveria nenhum acontecimento lá. Me lembro que ficamos sentados no morro do planetário conversando longamente e olhando as estrelas. E falávamos coisas intimas e desejos daquilo que nós no começo das vida desejávamos. Simplesmente faz 42 anos, éramos tão cheios de esperança e crença, acho que pelo fato de sermos tão jovens tornava tudo tão misterioso e denso mas ao mesmo tempo tudo poético e belo, nada iria nos vencer. Sei te dizer que estas imagens ficaram gravadas na minha mente, tanto quanto a "fogueira ancestral" está gravada no inconsciente da humanidade.

Por isso posso dizer que você é a descrição da musica ‘In my life’ dos Fabfour. Quando consigo relembrar vividamente estas imagens, confesso que me vem lágrimas de um tempo tão longínquo, mas tão próximo e aconchegante que vivemos.

A imagem daquelas estrelas e de nossas perguntas, tipo se a gente não estava mais ali e tudo não é nada senão a imagem daquilo que já havia passado, e não existimos mais, eram perturbadoras. Me lembro como se fora ontem. Era uma conversa de "malucos", caretas pois naquela época ainda não havíamos (pelo menos eu era virgem no quesito maconha). Sei te dizer que foi das "viagens" mais insight que tive sem usar droga nenhuma, e tornaram se vividos por nós em algum lugar deste vasto universo.

Para mim, seu jeito de ser era normal. Por influencia das amizades de minha tia, sempre te achei a pessoa mais normal. Pois desde cedo convivi com Joshey Leão Victor Austin e Cia. Por isso não havia nada de anormal em seu jeito de ser. Por isso quando começamos nossa amizade, nunca me incomodei com o que o povo pudesse falar. Quando íamos (eu e Joshey ou Victor) por exemplo na Padaria Cisne (rua Ignácio Pereira da Rocha, 641) éramos motivo de muita chacota por parte da vizinhança e falavam coisas terríveis, para uma criança como eu. Mas, interessante, nunca me perturbei com estes falatórios. Eram como se fossem cães ladrando, a minha sexualidade e masculinidade nunca foram atingidas. Pouco me lixava e isso deixava o povo mais maluco, por que de verdade nunca me incomodei, e para falar a verdade acho que nunca te achei "anormal".

Nunca achei o Joshey ou o Victor e toda cia. "anormal", no final na minha mente infantil todos éramos pessoas e gostávamos um da cia do outro e nisso não havia nada de "anormal". Assim fui criado, principalmente pela minha tia. No final, sei que de alguma forma, ela me ajudou a possuir um outro tipo de mente, todos somos iguais perante a Deus (frase usual) e sexualidade em nossas relações de amizade é o que menos importa.

Também fico muito feliz de ter você como amigo, creio o amigo mais antigo que possuo.
abraços saudosos, Paulo (Beatles forever).
Joshey Leão broke his leg after jumping too high... at 'Revista do Radio' no.781 in 1964.  
Joshey Leão had to use crutches... 

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